O Rapport é um conceito do ramo da psicologia usado para criar uma conexão de empatia com outras pessoas, o que vem bem a calhar na área de pesquisa.
No dia 02 de outubro realizamos o oitavo episódio do Papo Qualitativo, onde convidei a Denise Pilar (User Experience Design Expert na SAP) e a Samille Sousa (Consultora em Pesquisa e Professora), para falar sobre a importância das conexões empáticas com as pessoas participantes de pesquisas, para realizar conversa de forma humana e fluida.
O Papo Qualitativo teve sua primeira temporada acontecendo em episódios semanais as sextas-feiras com transmissão ao vivo pelo Youtube, LinkedIn, Twitter e Facebook da Mergo, posteriormente sendo publicados também como podcast e transcritos aqui no blog. Todo esse material pode ser visto logo abaixo.
Bom divertimento 🙂
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https://soundcloud.com/papoqualitativo/conexoes-empaticas-episodio-08
[Início da Transcrição]
Edu: Olá, pessoal! Olá, Brasil! Estamos aqui mais uma sexta-feira! Eu, Edu Agni, estou aqui junto com a Karen, minha companheira, em mais um happy hour. Estamos aqui, derretendo de calor, para mais um Papo Qualitativo, mas estamos aqui com uma aguinha geladinha, com um vinhozinho para dar uma refrescada, e a gente tem um assunto hoje dos mais relevantes para a gente conversar no nosso Papo Qualitativo, que são as conexões empáticas que a gente pode criar com as pessoas participantes dos nossos estudos, das nossas pesquisas. Lembrando que esse papo está sendo transmitido hoje para o Facebook, para o LinkedIn, para o YouTube e para o Twitter, então vocês que estão assistindo, se quiserem mandar algumas perguntinhas, alguns comentários para a gente, vai deixando aí que a gente vai incluindo aqui na conversa — conversa essa que tem duas convidadas super super super especiais, acho que o papo vai ser muito riquíssimo hoje, então para a gente começar eu quero chamar aqui a Samille… Ela está aqui conosco! Olá querida, tudo bem?
Samille: Tudo bem! Boa noite!
Edu: Se apresente para os nossos telespectadores!
Samille: (Manda um beijo para os telespectadores e ri) gente, boa noite, eu sou a Samille Sousa, eu sou baiana, eu sou da Bahia, hoje eu moro em Florianópolis, desde a fatídica primeira quinzena de março, onde tudo aconteceu, onde tudo mudou. Eu trabalho com pesquisa há 12 anos, eu já trabalhei tanto em projetos de pesquisa no Brasil quanto em outros países, muito no olhar da pesquisa etnográfica e com cada vez mais temas nos últimos anos relacionados a causas que me interessam e me atravessam como mulher e como indivíduo, e também trabalho com curadoria de conhecimento, com facilitação, com contação de histórias, com mentorias, sou muito envolvidas com projetos ligados às mulheres, a liderança feminina é uma coisa muito importante para mim, então eu faço parte de algumas iniciativas e estou bem feliz de estar aqui, porque nesses últimos meses eu não interagi tanto… Trabalhei muito mas eu evitei estar nessas interações, e agora eu estou fazendo mais coisas, e para o Agni eu nunca digo não (risos).
Edu: Eu me senti tão importante quando você disse isso para mim (risos) “claro que eu vou, não digo não!”.
Samille: Eu estou bem feliz de estar aqui, de fazer essa troca na sexta-feira de um dia tumultuante de temperaturas e enfim, vamos compartilhar aí.
Edu: Legal, legal, e eu estou muito mais feliz ainda de ter você aqui. A Samille vai dar uma palestra no Experiência Observe, a nossa conferência da comunidade de UX Research brasileira, um evento todo criado pela comunidade, vai ser semana que vem já o evento, são em duas semanas, a Samille vai dar uma palestra no dia 15/10, “A Alquimia da Pesquisa Digital”. Não precisa dar nenhum spoiler da palestra, a galera vai assistir a palestra, mas é só pra anunciar… E para completar o nosso time, vou chamar aqui a Denise, diga “olá”, Denise, tudo bem?
Denise: Olá, boa noite! Muito prazer em estar aqui!
Edu: Boa noite! Grande prazer, é muito mais meu. Se apresente aí para a galera!
Denise: Então, eu sou a Denise Pilar, eu trabalho como UX Researcher na SAP, é uma empresa de software de gestão, trabalho com UX especificamente desde de 2009 na SAP e a pesquisa está no meu sangue, tenho uma história meio acadêmica também onde eu comecei a minha relação com a pesquisa, amo o que eu faço e achei o tópico do bate papo de hoje uma coisa muito próxima do coração, é um assunto que eu gosto muito porque é muito humano, é o melhor, e é a parte mais legal da pesquisa, eu acho.
Edu: Sim, eu também acho, com certeza. A Denise é uma das autoras do livro UX Research Com Sotaque Brasileiro, que está encaminhado para logo ser lançado, é isso?
Denise: Olha, temos spoiler do livro!
Edu: Olha!
Denise: Essa semana recebemos o ISBN e a ficha catalográfica e estamos fechando com a gráfica. Na próxima semana, no máximo em duas semanas vai para a gráfica, então agora é real.
Edu: Que maravilha! Agora é real! As outras autoras, a Elizete esteve aqui no nosso primeiro papo, e a Cecília vai estar em algum outro ainda, a gente vai combinar.
Denise: Em algum no futuro.
Edu: É, exato, com certeza. Bom, gente, para a gente começar esse papo que, como a Denise falou, é uma coisa muito do coração, como que a gente pode criar essas conexões empáticas, o termo técnico que a gente usa, o “Rapport” de pesquisa — aliás, o rapport é um termo que vem da psicologia, é um conceito que vem da psicologia e não é usado só em pesquisa, é usado em várias áreas diferentes, mas vem muito a calhar na área de pesquisa porque a gente o que pode possibilitar a gente a criar essa sintonia com as pessoas que são objetos dos nossos estudos, criar essa relação de sintonia, essa conexão empática… Eu ouço muito, tanto de profissionais que às vezes a gente está fazendo alguma mentoria, ou de alunos, aquela dificuldade às vezes de fazer a conversa fluir com a pessoa com quem eles estão realizando pesquisas, de fazer com que a pessoa se solte, de fazer com que aquela pessoa tenha um grau de confiança que possa compartilhar, às vezes existe essa dificuldade de fazer com que as pessoas compartilhem com a gente, sejam sinceras com a gente, se abram… Então a ideia desse papo é a gente falar um pouquinho disso, um pouquinho dessas técnicas, um pouquinho das nossas experiências dentro disso, como que a gente trabalha com isso e as nossas visões também, o que que a gente acha legal, o que que a gente… Tem alguns pontos de vista que trazem até coisas negativas relacionadas a essas técnicas também, então… A minha ideia é a gente passar bastante por isso, mas eu queria ouvir um pouquinho de vocês sobre essa questão do Rapport, essa questão das conexões empáticas, como que vocês vêm isso, como que vocês trabalham com isso, contar um pouquinho as experiências… Vou passar a bola primeiro para a Samille começar a comentar, depois a Denise vem na sequência.
Samille: Eu fiquei pensando muito no ponto de partida, e me vem uma reflexão que eu tive há umas duas semanas, de como foi começar a trabalhar com pesquisa nos 20, 21 anos, como júnior, como que está sendo hoje aos 34 no mundo do jeito que está, e eu lembro que naquela época, quando eu lia as técnicas de pesquisa, eu sempre lia coisas muito voltadas para como executar a pesquisa e nunca com a conexão com o outro, e eu acho que… E eu comecei na minha carreira trabalhando em Curitiba, que é um outro contexto, e pelo fato de ser nordestina tinha uma série de questões que eu sofria, e quando eu ia entrevistar eu via que as pessoas já de imediato queriam saber de onde eu era, às vezes de um lugar até de preconceito mesmo, então uma coisa que eu comecei a pensar naquela época… Eu sentia falta de… Como que eu consigo em um primeiro lugar, antes até de me conectar com outro, deslocar do local de preconceito? Porque isso me atravessou em muitas questões na minha jornada inteira como pesquisadora, e que esse lugar de também enfrentar os preconceitos era um lugar para que eu também criasse uma relação de entender de que lugar dentro da pessoa ressoava esse preconceito, de que lugar de dentro dela vinha isso, e aí eu acho que hoje, uma coisa que ao longo da minha carreira, de 2015 para cá, eu fui muito me conectando com o auto conhecimento, com a psicologia, fazendo retiros, viagens e várias coisas, e muito com o espaço do sentir, e aí eu lembrava dessa época do início, que era tanto o foco na técnica, de as perguntas para fazer e não a conexão com a pessoa, e esse ano, na pandemia, isso para mim está sendo muito forte, porque quando… Eu venho trabalhando em uma pesquisa que iniciou no início do ano e que foi bem no início de tudo que estava acontecendo e eu começava perguntando para as pessoas, dava bom dia, boa tarde ou boa noite, falava de onde eu estava falando e eu sempre começava perguntando “como que você está se sentindo?”, e que eu acho que a Samille de 21 anos não perguntaria isso, até pelo início, a gente vai aprendendo coisas, mas eu vejo que essa pergunta de “como você está se sentindo?” me abriu muitas portas nesse processo de fazer uma pesquisa nesse contexto, e que me fez lembrar porque, no caso, assim… Quando você vai na casa da pessoa você tem outros recursos de conexão. No ano passado eu participei de um projeto de pesquisa sobre violência contra a mulher, então eu ia na casa das mulheres e eu tinha alguns minutos ali de criar uma conexão com elas de conversa, de elas me mostrarem coisas, de a gente falar sobre qualquer outro assunto, porque eu ia entrar em um universo que atravessava elas e me atravessava como mulher também, e aí eu tinha 4, 5 horas para estar com elas ali, só que no digital isso está sendo muito diferente, e tem uma outra coisa que às vezes eu acho, que o fato de a gente estar fazendo pesquisa também digital, as pessoas estão muito mais abertas a falar porque a gente não está na casa delas, então acho que até tem uma predisposição — em alguns perfis, claro que não são todos — mas eu… Até para a Denise construir junto, essa pergunta do “como você está se sentindo?” eu fui percebendo o quando que isso transformava o olhar da pessoa ali naquele primeiro momento, e tipo… “boa tarde, eu sou a Samille”, eu sempre tenho falado onde que eu nasci, onde que eu estou agora, estou em casa, dar um fiozinho de onde que eu estou, estou trabalhando de casa e tal… “Tenho falado com pessoas de vários lugares e estou aqui para aprender com você, para te ouvir, aqui não tem certo nem errado, mas primeiro eu queria saber como você está se sentindo, como você acordou hoje, me conta um pouco!”, e eu vejo que partir disso foi estabelecendo uma relação de confiança, inclusive nesse processo dessa pesquisa de agora, que é um trabalho que começou em março e tem continuidade até dezembro, que é um projeto confidencial e super imersivo em realidades diferentes de territórios brasileiros, as pessoas inclusive na jornada das pesquisas diziam assim “se fosse alguém tipo você eu ia confiar”, e eu falava “o que é ‘tipo você’?”, “ah você perguntou como eu estava me sentindo, você quis saber quem eu era…”, então ia até conectando muito disso que a Denise trouxe, do coração, então eu acho que a conexão vem também a partir desse lugar, do sentir.
Denise: É… Nossa! É muito lindo isso que você falou, e conecta muito fundo. Até trouxe um tópico que eu gostaria de trazer, e eu pensei que ia entrar mais tarde, mas eu acho que agora caiu como uma luva. Eu acho fundamental isso, essa questão da conexão, eu acho que independente de técnica, para que a gente consiga conduzir qualquer tipo de pesquisa de experiência — que é a minha especialidade, mas eu acho que se aplica a toda pesquisa — é preciso haver essa conexão, o entrevistado, a pessoa entrevistada, precisa se sentir confortável, e isso depende muito da nossa percepção e da nossa capacidade de mostrar um pouco da nossa vulnerabilidade, de se expor um pouquinho. E aí o conceito que eu queria falar foi algo que assim… O conceito em si talvez eu já conhecesse mas eu conheci o nome algumas semanas atrás quando eu participei de um evento de inteligência emocional e assisti a um painel sobre emoções e racismo no mundo corporativo, e uma das painelistas falou sobre o conceito de dupla consciência, que é um conceito que você já deve conhecer e que é exatamente o que tu descreveu, você falando de ti mesma lá no início da carreira (referindo-se à Samille). Para eu ser capaz de conectar com o outro eu tenho que tentar, de certa forma, enxergar o que ele enxerga, ser capaz de ver como ele me vê, e para quem sofre ou sofreu preconceito isso é uma questão de sobrevivência! Como é que as minorias que sempre foram motivo de discriminação e preconceito conseguem sobreviver no mundo? É entendendo, ou tentando, pelo menos, entender um pouco de como elas são vistas e ir vendo o que é que dá para fazer nesse meio tempo para sobreviver, e o nosso papel como pesquisadores então envolve muito disso, além da empatia eu tenho que ser capaz de entender o olhar do outro, tentar entender o que é que ele sente e estabelecer essa conexão também, não só que eu busco, mas eu ofereço também! Então eu achei lindo. Achei o conceito incrível. E é um pouco da minha prática, meio sem saber eu acho que eu sempre fiz um pouco disso.
Edu: É um pouco do conceito da auto empatia, você tem que se conectar consigo mesmo também para você poder ter essa percepção de conexão mútua com as outras pessoas. E essa coisa que vocês falaram um pouco, da questão da confiança… Porque para mim, o processo de pesquisa qualitativa é sempre uma conversa, eu não gosto de tratar como aquela coisa “pesquisador e objeto de estudo”, e sim duas pessoas que estão trocando experiência, e tem a coisa da troca, qualquer conversa, qualquer bate papo que você está tocando tem essa coisa da troca: para que eu possa me abrir com uma pessoa, essa pessoa tem que dar um pouco de si para mim também, então quando a gente traz um pouco da gente para a pessoa que está participando do estudo, começa a ter essa troca, e a partir dessa troca a gente vai descobrindo esses pontos de conexão que vão trazer essa familiarização e que vão fazer talvez a pessoa confiar na gente para trazer uma determinada situação da vida dela porque ela vai ter um mínimo de compreensão de que a gente pode entender aquela vivência dela. Agora, a Samille trouxe um outro ponto no início que para mim é muito forte, que é a coisa de a gente fazer a pesquisa remota nos dias de hoje, e na verdade isso está potencializado três vezes, porque… Pesquisa remota a gente faz há muito tempo, mas hoje as pessoas não estão só na casa ou no escritório, estão em isolamento social, então a nossa saúde mental está em frangalhos, e aí você falar com a pessoa sobre vários assuntos já é muito mais delicado… E quando a gente está no presencial, você tem todo aquele contexto, você tem a observação, você tem a vivência, você tem a conversa, e tudo te ajuda a conectar com a pessoa, mas no digital a gente tem essa dificuldade, às vezes você está vendo só o vídeo da pessoa, às vezes nem o vídeo, às vezes é só o áudio, e criar essa conexão é muito mais complicado. O que que vocês acham disso? Como que tem sido as experiências de conexão na pesquisa remota? Principalmente nos dias de hoje.
Denise: Quer começar, Samille?
Samille: Pode ir, Denise.
Denise: Eu fiz mais uma entrevista remota hoje, então está fresquinho aqui. É muito mais difícil, eu não sei… Eu sempre gostei muito de observar a linguagem não verbal, isso alimenta a minha leitura de como é que a pessoa está recebendo, como é que ela está sentindo, e eu sempre vou adaptando a minha conversa e a minha condução da entrevista em função disso. Sem essa linguagem não verbal fica mais difícil, então você tem que prestar uma atenção, pelo menos é o que eu tenho feito, e não posso dizer que eu estou no mesmo nível que eu estaria presencialmente, às vezes eu percebo “poxa, eu poderia ter falado tal coisa”, ou “eu poderia ter trazido um outro exemplo”… Mas eu entendo que a gente tem que prestar mais atenção nas nuances dos tons de voz e do discurso, principalmente, que é o que a gente mais tem, então prestar atenção no tipo de termos que a pessoa usa, tende a usar, os padrões, os pequenos viciozinhos de linguagem que a pessoa usa… Tudo isso vai comunicando, eram pequenos pedacinhos de informação que sempre estiveram ali mas que, como a gente tinha coisas mais visíveis ou mais claras, a gente meio que não olhava, então funcionou, digamos assim, foi boa a entrevista de hoje, foi muito produtiva. No mundo do software a gente tem o limite do tempo, que também é um complicador, digamos assim, eu nunca tive o luxo de ter cinco horas na casa de alguém (risos) que eu entendo que é, nossa, é muito rico! Mas dentro das empresas… Quando a gente consegue essa 1h30 a gente tem que tirar o máximo dali, então esse Rapport é fundamental. Sem conectar a gente não vai sair dali com nada relevante porque a pessoa não vai se abrir, não vai compartilhar, então… Essa tem sido a minha alternativa.
Samille: Eu tenho pensado muito nisso, não só da pesquisa, mas também da aula, porque eu acabo dando aulas online e que não deixa de ser você entrar em uma conexão ali com a pessoa, e aí uma coisa que eu, acho que desde março, venho pensando muito, eu estou vivendo todo esse isolamento, essa coisa sozinha, em casa, e aí tem uma coisa que eu acho que… Quando você não está em convivência, sem um movimento, então eu passei, sei lá, os últimos 11 anos da minha carreira fazendo pesquisas no território, e aí no décimo segundo ano da minha carreira eu estou fazendo praticamente 100% digital, porque em janeiro foi uma coisa mais informal de pesquisa, mas profissionalmente de março para cá mesmo foi tudo digital. E aí, uma primeira coisa que me fez pensar assim “bom, eu sou uma pesquisadora que fica muito tempo na casa das pessoas, que cria jornadas, vivências e tal, eu vou agora ter essa perspectiva aqui” (Samille faz um quadrado com as mãos, simulando uma tela). O que que eu tenho nisso daqui (na tela)? Então a primeira coisa que eu pensei muito, que foi mesmo um exercício de ter que refletir sobre, foi o fundo da tela, então o que que a pessoa tem no fundo? O que que tem nesse fundo dela? Então geralmente, nas entrevistas… Claro que como eu estou em um projeto muito imersivo, teve muito o processo de preparação dessa narrativa dessa experiência da pesquisa, então a gente tinha dez dias com as pessoas, com cada pessoa e uma quantidade antes, então cada entrevista durava três horas online, quase, e aí esse intervalo de tempo que a pessoa vai falando sobre coisas, e tem perguntas e tal, e muitas vezes acontecia de as pessoas quererem continuar porque ela estava sendo ouvida e isso foi um respeito muito grande, então ela tinha depois umas atividades online na jornada e depois mais duas a três horas de conversa. E aí nesse ponto de perguntar muito “me conta um pouco disso”, ou às vezes eu via algum objeto (e perguntava) “o que é aquilo ali? Me conta”, então essa coisa do fundo da tela foi um recurso que eu acabei usando muito e eu tenho usado isso às vezes nas aulas com os alunos de conteúdo que às vezes não tem nada a ver com pesquisa, talvez em uma imersão de liderança feminina, eu tenho olhado muito para os fundos de onde as alunas estão… Então esse fundo de tela, porque aí a pessoa às vezes tem até uma reação que é muito sincera, muito bonita assim de “você quer saber o que tem na minha casa? Do que está aqui? É que está bagunçado aqui atrás!”. Eu, no meu caso, quando eu vou falar em evento, eu uso um fundo branco, só em algumas reuniões específicas que eu uso outros espaços da minha casa, mas eu acabo usando o branco, mas tem gente que não, que tem um monte de coisas atrás e tal, então esse seria um recurso.
(Denise gesticula para mostrar que atrás dela também há um fundo cheio de objetos bagunçados)
Samille: (Referindo-se a Denise) É, para você eu teria muitas perguntas sobre o seu fundo (risos). Aí outra coisa que eu vou falar é dos ganchos, porque eu acho que esses ganchos de a pessoa falar “ah, isso sujou a minha carteira de trabalho”… “Você contou aquela hora que sujou a tua carteira de trabalho, me conta mais sobre isso, por que que é importante essa carteira de trabalho para você?”, porque se a gente estivesse no presencial a gente ia estar com a carteira suja lá, a pessoa ia estar mostrando a carteira suja e aí ela já ia discorrer tudo. Se ela não está com o objeto na mão para mostrar para a gente, a gente tem que usar os ganchos dessas palavras que foi… são fundamentais. e no meu caso, para a etnografia, é a vida, se não, eu não vou conseguir levar nada. E aí tem uma outra coisa que eu refleti muito nesses meses, de dar espaço para a pessoa, porque no meu caso eu posso ter esse tempo com a pessoa ali de falar “olha, se você quiser levantar para ir ao banheiro, beber água, fazer qualquer coisa, fique à vontade, se você quiser se mexer e tal, fique à vontade…”
Edu: Se quiser fazer um bolo para mim,,.
(Todos riem)
Samille: …Por que na casa teria esse momento da pessoa, quantos cafés e bolos na vida eu já comi, não é? E nesse momento da pessoa movimentar eu perguntava alguma coisa sobre esse movimento. Eu lembro muito de um moço que eu entrevistei de Belém que ele pedia muito para beber água porque ele estava enfrentando uma crise de ansiedade devido às preocupações financeiras que eles estava vivendo, ele bebia acho que três vezes água em cada entrevista, e em todo esse momento de ele ir buscar água eu conversava sobre esse copo de água com ele e ele ia me falando mais ainda para eu poder entender o desafio que eu tinha para descobrir com ele, então acho que também isso trouxe, porque no físico daria para eu fazer isso com ele e andar pela casa inteira dele, como, sei lá, eu já entrei no banheiro de uma pessoa e a pessoa me mostrou o banheiro todo — eu sou bem intrometida — só que no estilo digital não tem isso! E eu acho que o último ponto dessa coisa da conexão, que eu vou ser muito sincera, de que às vezes em vários lugares, de ter acompanhado pesquisadores inclusive fora do Brasil, pessoas renomadas, que não tinham presença, sabe? No processo de se preparar para encontrar a outra pessoa e de tentar fazer aquilo de um jeito muito mecânico, sabe? E que muitas vezes, eu, nas minhas ilusões como brasileira “ah, vou trabalhar com tal pessoa” ou “vou acompanhar o trabalho de tal pessoa” e “quem sou eu na fila do pão?”, não é? Talvez alguma questão de auto estima profissional, e aí eu via que a pessoa tratava aquilo de um jeito… Então para a gente fazer entrevistas, a gente tem que ter minimamente uma presença com o outro, de respirar e se preparar para aquele encontro ali, você vai ouvir a história, e aí tem um outro ponto nisso que é: nisso que você se prepara e que você vai ouvir as coisas, é também sobre você, porque já aconteceu situação de ter pesquisador irritado com o entrevistado, de eu estar acompanhando quando eu já fui cliente, porque eu já tive as vidas possíveis de ser cliente e de ser consultora, e eu perceber a consultoria contratada, a pessoa pesquisadora irritada com o cliente, e eu falei “mas…” (Samille demonstra indignação).
Denise: A pessoa percebe, não é?
Samille: A pessoa percebe e ela começa a entrar em pânico porque ela acha que ela está sendo errada, então acho que tem isso da presença também, do respeito, do cuidado, sabe?
Edu: É, a presença tem que ser acolhedora também. Você falou dessa coisa de acompanhar pesquisadores de outros países, eu não tive essa oportunidade, mas eu já assisti muitos vídeos de pesquisa, por exemplo, eu estava vendo um hoje inclusive, “um exemplo de entrevista em profundidade em uma comunidade” sei lá onde, e sei lá, acho que era uma pesquisadora inglesa, não lembro agora o nome, mas me parecia tão seco, sabe? E para mim os pesquisadores brasileiros têm um calor diferente, parece, um acolhimento diferente… Agora, essa coisa da pesquisa etnográfica mesmo, que você tem esse espaço para vivência, para trocar ali… A pesquisa de campo traz uma outra forma de conexão, esse negócio que você falou, tem os objetos, tem aquela coisa da antropologia visual, você faz a pessoa descrever a vida dela a partir dos objetos dela, do espaço dela, e com isso você já vai criando a conexão, “nossa, eu tenho um negocinho desse aqui, nossa, eu já tive um desse”, e aí você começa a puxar isso, e aí é o que a Denise estava falando, você tem que prestar muito mais atenção para fazer essa conexão no online. Porque assim, trazendo até um pouco das técnicas de Rapport, a gente tem por exemplo a questão do espelhamento, porque a pessoa precisa se identificar com você corporalmente também, então claro, tem até essa coisa… A Samille falou agora, se o pesquisador aparece ali todo engomadinho, todo certinho, todo formal para conversar com uma pessoa que está em um outro ambiente, a coisa não vai fluir. Eu lembro que eu tive uma consultoria que eu fiz uma vez para uma empresa que fabrica máquinas agrícolas, então eu tive que ir em fazendas entrevistar fazendeiros, e eram fazendas pequenas, então não era aquele fazendeiro que ficava engomadinho no escritório, era o fazendeiro que ao mesmo tempo estava mexendo na terra e estava ali falando com você, e eu lembro que quando a gente foi, a equipe de pesquisa, eu e mais dois, todo mundo com camisa social bonitinha, abotoada, aquela coisa arrumadinha… E aí quando a gente entrou no escritório do fazendeiro ele entrou com aquele boné meio de lado, aquela camisa aberta, e aí eu fui me ajeitando, dei aquela bagunçada no cabelo, tiro o óculos de lado, abro um pouco a camisa… Já vai tentando puxar essa proximidade, e a pessoa fala de um jeito e gesticula bastante, e aí você gesticula bastante também e vai conversando, e a pessoa fala com um sotaque mais puxado e você solta a sua raiz interior também e vai… Agora no online tem isso, a gente tem que prestar o dobro de atenção e você não tem esse espelhamento corporal, você no máximo vai ter um espelhamento ali de face, de voz, e você corre o risco às vezes de cair no exagero tentando fazer um pouco ali do espelhamento, eu vejo muito essa dificuldade. Agora… Tem um outro caminho, até pegando esse mesmo exemplo das fazendas, essa pesquisa que eu fiz ali em algumas fazendas, que eu senti uma necessidade muito grande dessas pessoas que eu entrevistei naquela época de ter essa conexão com pessoas que entendessem a realidade delas, e de repente a gente era um engenheiro, um cara de marketing e um pesquisador ali, engomadinhos, no meio de uma fazenda, e o cara mexia com plantação, adubando, pondo a mão na terra, e ele não sentia essa conexão… E eu lembro do primeiro fazendeiro que eu peguei para conversar, ele olhava para a gente já com um estranhamento, não importava o quanto a gente tentasse trazer um espelhamento, eu fazia perguntas para ele e ele respondia meio… “É”. “Não é”. “É”. Tipo “como que você trabalha aqui com as ordens de serviço e tal?”, e ele respondia “ah, a gente manda e ‘as pessoas faz’, cada um sabe o que tem que fazer aqui”, e aí parava. “E o que você planta aqui?”, “milho” — e aí parava. “Só milho?”, “‘um cadin’ de soja também” — e parava. E aí não tinha aquela coisa… E aí eu lembro que eu perguntei para ele assim “De onde veio essa coisa de você ter essa fazenda? De onde veio essa fazenda? Você comprou? Você herdou? Como que foi?” e ele falou “ah, é de família, era do meu avô, depois foi para o meu pai, depois veio para mim… É de família”. Aí eu comecei a falar para ele “nossa, que coincidência, o meu avô também era fazendeiro”, e aí ele já arregalou os olhos: “o seu avô era fazendeiro?”, e eu falei “é, meu avô tinha fazenda também, meu pai cresceu na fazenda, e talvez se meu pai tivesse ficado na fazenda hoje eu estivesse igual você, herdado a fazenda e tal, mas acabou que meu pai foi para a cidade grande, foi estudar e eu acabei nascendo na cidade, em outro contexto, mas eu lembro muito da minha infância, em que eu ia na fazenda, e o meu avô plantava milho igual você, então eu lembro de brincar com os meus irmãos correndo no meio do milharal, e a gente ia para aquela casa grande, e tinha ali um lago, e tinha uma árvore que tinha um balanço com pneu, e a gente brincava…”, e ele começou a mudar completamente e falar “nossa, eu também brincava com os meus irmãos assim! Ali, ó, está vendo ali?”, e aí ele mostrou pela janela, “ali tem uma árvore que tem um pneu também no balanço e gente brincava assim e tal…”, e aí ele mudou completamente, começou a se abrir, me contou tudo porque ele criou essa conexão, essa identificação. Agora, o único detalhe nessa história é que… O meu avô nunca foi fazendeiro!
Denise: Como tu é, Edu!
(Todos riem)
Edu: Eu precisava criar uma conexão com ele, mas eu não tinha por onde, eu não tinha uma semelhança para puxar, e eu lembro de ter assistido um filme desses que passa em Sessão da Tarde que era justamente um avô que recebia os netos na fazenda, e era fazenda de milho, e eu estava lembrando de cenas do filme, crianças brincando no milharal, uma lagoa, um pneu na árvore ali, eles brincando, e eu comecei a contar a história do filme como se fosse minha e ele super se identificou, ele trouxe e tal. Eu não sei se vocês já tiveram que recorrer a alguma coisa assim, mas não necessariamente a gente tem conexões tão diretas e tão fáceis de se puxar com as pessoas com quem a gente está pesquisando. Ainda se a gente está em um contexto presencial e tem, como a Samille falou, esse momento de vivência, de um tempo mais prolongado para você poder puxar por um objeto, puxar por alguma outra coisa, você tem muito mais pontos de conexão no presencial, e no digital às vezes pesquisa de produto você tem uma hora, uma horinha e vinte, uma hora e meia, e você tem aquele tempo curto e você precisa rapidamente se conectar, e às vezes você não tem um tempo hábil para buscar um tempo de conexão real, e eu já usei esse recurso algumas vezes, confesso, de inventar uma história para criar essa conexão. Eu não sei se isso já aconteceu com vocês, ou o que vocês acham disso, se vocês acham ruim, se acham legal… O que que acham? Samille? Está me olhando com uma cara (estranha)?
Samille: Não, estou tentando pensar se alguma vez eu tive que fazer isso, e eu acho que eu nunca inventei nenhuma história, até fiquei pensando “nossa, será que eu…?” Porque eu acho… Não, eu fiquei tentando lembrar mesmo! Será que eu tenho alguma história engraçada ou alguma coisa, sei lá, alguma encruzilhada que você está e você tem que dar um jeito ali? Mas me fez lembrar que assim, esse ano, em todas as entrevistas que eu fiz esse ano a neutralidade foi muito importante, até pelo processo em que estava e pelo tema do estudo em que eu participei e que agora a gente está nos desdobramentos as pessoas ??? (37:53), e na verdade ou elas diriam assim “esse não é um assunto que eu gosto muito de falar mas eu topei falar com você então eu vou falar”, porque é um tema que…
Denise: Sensível.
Samille: …Já convidava as pessoas a falarem, mas eu lembrei que em algumas situações de outros projetos eu precisei trazer uma coisa minha, que eu já tinha vivenciado. No ano passado, quando eu fiz o projeto de violência, teve uma das entrevistadas que eu percebia que ela estava me tratando, mesmo sem saber nada da minha vida, como se ela fosse a pessoa, a mulher que já viveu um monte de coisas, e que eu nunca tivesse vivido nada, pelo fato de eu ter uma profissão, na perspectiva dela, “você é uma pesquisadora, você tem um trabalho, eu estou nessas condições, você nunca viveu nada disso!”, então ela tinha essa ideia, e aí teve um momento em que eu falei “posso te contar uma coisa?”, e ela falou “pode”, e aí eu compartilhei o relato ali para ela e aí a conversa mudou, porque ela parou de me idealizar ali e eu falei “eu sei do que você está falando porque eu já vivi isso também”, então… A gente entrou em outro lugar e no final da entrevista ela ficou assim pensando “nossa, eu nunca ia imaginar que talvez você tivesse vivido isso também”, e eu falei “é, mas a violência não tem cara”. E aí teve outra situação que eu lembro, que eu estava na Argentina, eu morei dois anos na Argentina, e eu estava entrevistando uma pessoa e eu sempre tinha que lidar com o fato de eu ser brasileira, porque eu chegava e eles já olhavam para mim e já (começavam) “ah, Brasil! Férias! Não sei o quê…”, e eu tinha que sempre cortar e às vezes eu era muito verdadeira de falar “olha, não é sobre isso a nossa conversa! A gente pode falar de Búzios, do Rio de Janeiro depois. Nunca fui para Búzios, mas a gente pode ter esse papo, mas depois da entrevista!” E aí tiveram alguns momentos que eu percebia que existia uma desconfiança por eu ser brasileira também, não só essa abertura, e às vezes eu tinha que falar assim “eu estou morando aqui há um tempo, eu tenho documento argentino, eu tenho uma vida aqui e tal”, “ah, mas você mora aqui há quanto tempo? Por que você veio para cá?”, então às vezes eu precisava investir, mesmo que eu tivesse uma hora e meia, duas horas — que aí já era um outro modelo de trabalho, que tinha uma questão também de testes e tal — para contar um pouco do que diachos eu estava fazendo lá naquele país, para eles não acharem que eu estava lá roubando a vaga de um argentino, sabe? Porque esse era o olhar. Então eu acho que na minha vivência eu tive mais isso, e aí eu fiquei pensando “será que alguma vez eu tive que inventar (uma história)? Acho que nunca teve a necessidade de ter que criar alguma coisa e eu acho que, por exemplo, nessa pesquisa do ano passado sobre violência, eu refleti muito, porque eu não queria me expor, até porque a cliente estava do lado comigo, então eu achei que era muita intimidade abrir a minha vida, ainda mais que era uma questão muito forte para mim, mas foi o único recurso que eu tinha para aquela mulher (se) abrir, senão eu ia sair sem a informação, porque ela fugia do assunto, então… Enfim, acho que é um pouco isso do que eu posso compartilhar. E você, Denise? Suas aventuras?
Denise: Ih, nossa, tenho muitas também, morei em vários lugares, três países, também tenho várias aventuras, histórias muitas! E na verdade isso ajuda! Eu estava rindo aqui quando o Edu falou da questão da fazenda porque a gente tem… Um capítulo do livro é sobre ética na pesquisa e as implicações legais com a nova lei de proteção de dados e tal, e a gente fez um quadro ali, um box, que fala de “etiqueta da pesquisa”, e ficou assim, etiqueta não é um guia de estilo, mas ficou exatamente sobre isso! É muito importante a gente fazer essa investigada prévia, tentar, se possível, saber como é que as coisas funcionam, como é que as pessoas se vestem, o que é que elas esperam da gente quando a gente chega lá, porque isso tudo pode complicar a construção desse Rapport!
Samille: Total.
Denise: E como a Samille falou, eu concordo plenamente, já me aconteceu de gastar, investir, mais tempo nessa construção porque senão, se você não conectar você não sai dali com a informação que você precisa e que você foi buscar! As pessoas não vão compartilhar, é delas! Elas têm esse direito. Então eu tento compartilhar e buscar alguma coisa em comum com a pessoa, e eu acho que a tua estratégia, Edu, foi válida, se tu não tinha nada em comum, vamos inventar, paciência! Não era nada grave, não está cometendo um crime, tudo bem contar uma história, mas em geral, se a gente olhar ou tiver um pouquinho mais de tempo, se a gente conseguir fazer alguma “investigaçãozinha” prévia a gente vai encontrar alguma coisa, ou as pessoas deixam algumas deixas aqui e ali que a gente consegue pegar e conectar com alguma coisa em comum, e pode ser desde… “Nossa, você gosta de café! Eu sou viciada em café, eu tomo cinco cafés por dia!”, pronto! A pessoa já olha, “temos algo em comum! Essa pessoa não é tão ruim, eu posso compartilhar algo meu pessoal com ela, porque ela é como eu de certa forma, então dá para confiar um pouquinho sim!”, e, claro, quanto mais sensível o assunto, mais pessoal isso tem que ser, não é?
Samille: Sim…
Denise: Porque a pessoa está abrindo uma portinha de uma área secreta, ou íntima, da vida dela para a gente, então ela tem que sentir que é seguro! Que ela não está se colocando em uma situação de vulnerabilidade de novo, porque nesse caso era um assunto sensível, mas é fundamental, e eu acredito que sem essa conexão, se focássemos só na técnica certamente a qualidade do dado que a gente traz ela é bem… Nunca vai tão profundo, não consegue sem essa conexão.
Samille: É, e isso que você está me falando até me lembrou também uma reflexão que eu tive, que é… Que era o fato de o quanto que… Como que a pessoa está vendo a gente, que era o fato que a gente falou lá no início, isso influencia muito, porque me lembrou de uma pesquisa que eu fiz ano passado no Acre, eu fui fazer essa pesquisa e eu lembro que eu ouvia muitos comentários das mulheres locais sobre o meu corpo, porque elas eram magras e elas ficavam rindo entre elas e falando “nossa, ela é ‘buchuda’, ela é ‘buchuda’”, e eu não sabia o que que era ser “buchuda”, e “buchuda” para elas é quando você tem outra corporalidade, você é mais redonda e tal… E eu ficava tentando… E elas não olhavam para mim e eu ficava tentando, como era uma pesquisa para um filme, não tinha como estar só eu e a pessoa específica, tinham muitas pessoas ouvindo, inclusive acho que foi a pesquisa mais desafiadora que eu já fiz… E elas ficavam rindo! E aí tinha aquela coisa, eu vou e dou uma chamada nelas e falo sobre “olha, vocês estão me desrespeitando rindo do meu corpo” ou a gente vai falar sobre isso? Aí o que eu fiz foi trazer aquilo como pauta, eu falei “ah, lembra que a gente estava falando mais cedo sobre futebol feminino e tal, que vocês têm aqui, a copa de vocês, a Copa Floresta? Eu fiquei um pouco curiosa de como é essa relação de vocês com o corpo de vocês, com o esporte, com não sei o quê…” Aí eu transformei aquilo em uma pauta e ignorei, já tenho as minhas outras conclusões sobre isso e aí foi o gancho de uma narrativa, sabe? Porque eu acho que tem… Talvez nesse contexto, se eu ficasse tentando insistir em algum outro tema e ignorar, talvez ali fosse abrir uma oportunidade e eu fosse descobrir várias coisas nesse gancho, que eu acho que nessa conexão tem muito essa questão da roupa, como você falou, da roupa que você está usando, então eu sempre me preocupo em ter coisas muito neutras, de cores neutras, evitar estampas, tentar usar o fundo branco… Às vezes, quando eu estava em outra situação, eu botava um pano assim (no fundo), (risos) quando eu estava sem essa luz aqui (aponta para cima) eu botava um outro pano aqui (aponta para o lado), então para me proteger também, sabe? Eu acho que tem uma outra reflexão, que eu acho que nas conexões empáticas têm dois lados, tem a pessoa entrevistada mas tem a pessoa pesquisadora, e quando a gente está falando de um processo de pesquisa digital nesse momento que a gente está vivendo a gente também precisa se cuidar, porque a gente está acessando muitas coisas das pessoas, e nos acessando, e às vezes tendo tempo curto, e sendo muito sincera… Claro, eu tive essa oportunidade de estar pesquisando uma coisa que as pessoas querem falar, então eu estou muito grata e muito feliz com isso, mas eu fico pensando em situações em que a pessoa acordou no dia, ela topou fazer a pesquisa mas ela não está a fim de falar sobre aquilo! E é mais desafiador para a pessoa pesquisadora nesse sentido, ela não está a fim de falar sobre, sei lá, o botão que a gente quer testar, entendeu? Então é… Porque isso agora está muito efervescente, então… Porque no presencial, pelo menos as pessoas podem cancelar e falar que não vai dar tempo de elas chegarem…
Denise: (Risos) É, essa desculpa não tem mais!
Edu: Exato…
Samille: … E no digital podem dar umas “sabonetadas”, porque isso aconteceu… A gente teve isso com uma pessoa só, a pessoa foi desmarcando, desmarcando, e aí a pessoa do recrutamento falou “ah, na verdade eu acabei mudando de ideia, então beleza, a gente consegue outra pessoa”, mas eu fico pensando nisso, também.
Denise: É, eu tenho enfrentado uma taxa mais alta de “bolo”, o pessoal marca e não aparece… Aí a gente vai atrás, remarca… E eu acredito que essa sobrecarga de tela, como a gente estava comentando antes, isso também influencia nas pessoas agora, e aí se a pessoa acordou em um dia que não está bem… A pessoa pode estar triste, pode estar de mau humor, pode ter dormido mal, pode estar com algum tipo de problema de saúde, sei lá! Um milhão de coisas podem acontecer, e aí é um desafio extra com certeza.
Edu: Não, com certeza. Denise, você falou do seu livro até, que tem um capítulo ali falando de ética (risos) de etiqueta, de ética, e essas técnicas de Rapport na verdade elas, como eu falei no início, não são só usadas na área da pesquisa, outras áreas, área de negócios, área de vendas costumam usar muito, inclusive eu vi uma matéria que estava falando tipo “Rapport: o segredo para você persuadir pessoas no seu processo de vendas”, porque tem outras áreas, e às vezes até pesquisa mesmo, que acaba usando um pouco mesmo essas técnicas de espelhamento, de atenção mútua, de semelhança, de positividade para criar ali essa conexão, não só para conseguir uma informação mas às vezes até para conseguir uma forma de persuasão, não é? O que que vocês acham disso? Vocês acham que isso acontece na pesquisa também? Ou não acontece? Qual que é o limite, às vezes, de etiqueta ou ética para a gente usar essas técnicas, usar essa conexão de uma forma que talvez não seja legal? Vamos dizer assim…
Denise: Cara, eu tenho uma história sobre isso (risos) eu e a Cecília estávamos em um projeto uma vez e a gente foi muito pressionada, nós estávamos testando uns mockups, e fomos muito pressionadas para convencer o nosso usuário a usar e a gostar da nova proposta, e eu fiquei muito incomodada com isso, chamei o time todo, criei um… Um caso ali, digamos assim, uma pequena tempestade, porque assim… Eu acredito que depende. Não vou dizer que nunca seja o caso, mas como naquele caso era um teste de usabilidade, ou em uma pesquisa mais exploratória, eu acho que não cabe, porque isso contraria o propósito, o objetivo da pesquisa: eu estou ali explorando, eu estou buscando alguma coisa, se eu for convencer o cara, aí eu não estou descobrindo nada, eu estou lá impondo a minha vontade, a minha opinião, não dá! E se eu quero testar a usabilidade de algum produto e eu tento convencer o cara de que o produto é bom, eu nunca vou saber se ele é usável ou não! Então eu acredito que isso depende muito do objetivo da pesquisa. E eu confesso que no mundo corporativo isso é uma dificuldade porque existe muita pressão, principalmente para quem trabalha com software, em fazer o usuário gostar da nossa proposta, e… Como pesquisadora eu acho que não se deve, eu não recomendo.
Samille: Nossa, eu também! Teve uma vez que eu estava fazendo, que tinha um designer acompanhando junto, ele tinha que assistir e ele era um gringo, aí eu estava conduzindo (a pesquisa) e foi um trabalho super estressante porque ele me interrompia no meio da moderação! E eu tinha que ser muito plena, porque se não eu ia (Samille respira fundo e todos riem)… Tinha que respirar muito, porque o que aconteceu, ele me interrompeu duas vezes, só que aí eu peguei o fio da meada e aproveitei ele, sabe? E aí eu fui pegando o gancho e tal. Só que isso aconteceu (também) na entrevista seguinte! Aí eu falei “aí não! Aí não! Não vai rolar!”, aí eu chamei ele no intervalo, só que aí teve uma outra situação, mesmo eu tendo falado com ele, que — ele tinha um domínio da língua portuguesa, só que ele era estrangeiro — que era um teste mesmo, então a pessoa estava usando um aplicativo no celular, a pessoa não estava entendendo porque o aplicativo não funcionava, e eu já tinha percebido isso na hora que eles tinham me chamado para o briefing, para estudar e tal, eu tive dificuldade de usar, entendia que era um teste, só que estava muito difícil para o próprio usuário fazer o teste! E aí ele chegou dizendo que eu que não estava entendendo (Samille faz cara de deboche).
Denise: Ah, sim! (risos)
Samille: E na hora do teste, vamos supor, eu estava aqui, a pessoa aqui onde eu estou e ele estava ali (Samille gesticula mostrando que os três assentos deveriam ter cerca de um metro de distância entre si, sendo ela em uma ponta e o entrevistado no meio), era tipo a ponta de uma mesa. Quando ele percebeu que a pessoa estava ficando nervosa porque ela não estava entendendo como estava funcionando, ele virou e falou assim “você não está entendendo!”.
Denise: E ele queria que você explicasse? (Risos)
Samille: Não, o designer falou para a pessoa entrevistada “você não está entendendo!”, e ele olhou para mim fuzilando com os olhos assim… Ai, eu tô amando a Karen me (interpretando)! Como quem diz “faça alguma coisa!”. Aí eu virei para a pessoa, ignorei ele completamente e falei assim “olha, o problema não está em você, de fato o aplicativo está incompreensível” e na hora eu saí das tamancas, eu falei “o aplicativo está incompreensível e eu só quero ouvir de fato o que você está sentindo, o que você está achando…”, e ele queria me matar, do outro lado, dava para ver…
Denise: Te entendo! (Risos)
Samille: Ele deixou a pessoa nervosa! E eu já tinha avisado, e aí ficou aquela situação de que… Quando voltou para a reunião eu falei “gente, eu avisei que as pessoas não estavam entendendo”, e eu não estava, sabe? Então eu acho que isso é difícil, assim… Acho que as situações que eu tive que… A pessoa tentar, eu sempre fui muito dura na queda… como vou fazer isso… vou ser firme nas minhas escolhas, porque é muito difícil! Não dá para querer ser positivo em algo que está incompreensível.
Denise: Exato. Nos meus primeiros treinamentos na SAP eu ouvia muito isso, “é importante trazer alguns desenvolvedores para assistir os testes — em outra sala”, porque eles vão odiar a primeira pessoa que tiver dificuldade com aquele botão ele vai dizer “esse cara é muito burro! Ele não entende! É um idiota!”… Aí vem a segunda pessoa usuária e tem a mesma dificuldade, aí ele xinga de novo! E aí na terceira pessoa que tem a mesma dificuldade, aí o desenvolvedor começa a pensar “olha, talvez tenhamos um problema!”
(Todos riem)
Edu: Talvez não seja tão bom assim!
Denise: Exato! Eles precisam enxergar o outro tendo dificuldade, porque eles acreditam piamente que o design é perfeito!
Edu: Eu já tive que quase segurar cliente em uma sala espelho porque ele queria entrar na sala de pesquisa para falar com o participante “não, esse cara, quem ele pensa que é?! Ele está falando mal do meu produto, eu boto o meu suor, minha vida nisso aqui e ele está ali xingando!” e segurando a pessoa e falando “não, ouve! Ouve a pessoa, talvez não tenha…”, “não! Você está falando que o meu projeto não é bom!”, sabe, sempre tem isso, às vezes a gente tem que segurar! (Risos)
Denise: Ou então “vai lá e explica para ele”, não é? (Risos) “Vai lá e explica para ele que ele não entendeu!”, se eu explicar, já era, gente!
Samille: Total design e opressão, Pedro! (Samille lendo um comentário) Pedro dizendo aqui, “design e opressão”, total.
Edu: Sim, tipo isso.
(Todos riem)
Edu: Gente, batemos aqui as 20h, o nosso horário… Eu acho que eu vou ter que mudar esse programa, porque eu trago as pessoas aqui que eu queria falar por duas, três horas seguidas e daí dá uma horinha assim e parece que eu não falei nada o suficiente com vocês! Acho que daria para falar muito mais! Eu prometo para todo mundo que eu chamo aqui que eu vou chamar de novo para falar de outra coisa ainda, então vocês estão convidadas! Mas deu nosso horário aqui, a gente precisa finalizar, queria agradecer muito a presença de todos vocês que estão online aí nos assistindo em todas as redes, agradecer a Karen mais uma vez por traduzir o nosso papo, agradecer muito a Denise e a Samille por estarem aqui com a gente compartilhando essa maravilhosidade que são vocês e a experiência de vocês, e é isso, acho que é hora de a gente dar tchau. Eu não sou nunca muito bom com despedidas, eu fico aqui enrolando, enrolando, mas é isso. Gente, hora de vocês darem tchau também, querem dar um tchauzinho especial para o pessoal?
Denise: Vou começar, está bem, Samille? Tu é mais… Teu brilho tem que ser o final!
(Todos riem)
Denise: Foi lindo, adorei participar, é um assunto muito pessoal, muito emocional, e eu acho muito verdadeiro e muito importante que as pessoas pensem sobre isso, então fico contente, obrigada Edu por puxar esse tema e obrigada Samille por compartilhar também as experiências aqui junto, foi muito legal, adorei!
Samille: Quero muito agradecer todo mundo que está ouvindo a gente, o Edu, sempre maravilhoso, amo, nunca digo não para o Edu (risos).
Edu: Eu vou me aproveitar disso, hein! Cuidado!
(Todos riem)
Samille: Obrigado Denise, por te conhecer, por ter essa oportunidade, de a gente trocar, e… O Pedro acabou de falar aqui (nos comentários) dos bastidores da empatia, e eu acho que eu volto na palavra que você falou no início, que eu tenho tatuada no braço, que é… não, aqui é um relógio (risos), coração! Acho que tem dois pontos aí nessa conexão com a outra pessoa, que a gente cada vez mais fazer um convite para as pessoas que trabalham com isso, com pesquisa, que existe um convite para trabalhar com a outra pessoa, mas também existe um convite para olhar para si, eu acho que eu estou pensando muito nisso porque eu tenho me preocupado muito com a profundidade, e às vezes pode vir uma irritabilidade da pessoa entrevistada ali do lado que a pessoa pesquisadora não sabe dar conta daquilo e acha que o problema às vezes é na técnica dela, e têm várias coisas que estão atravessando o momento que a gente está vivendo então, para mim me preocupa muito esse lugar, quando a gente decide fazer a conexão com o outro que a gente pense nas duas partes, de quem que a gente é como pessoa pesquisadora, porque isso afeta a gente, e esse ano por exemplo eu tive situações da polícia invadir a casa da pessoa entrevistada no meio da entrevista, eu tive situações de acontecer um enterro pelo Zoom antes da entrevista acontecer porque a avó do menino tinha morrido de Covid-19, então acho que a gente está em um momento que nessa conexão com o outro vai ser muito importante a gente se cuidar e se preparar muito para gerar essa conexão de um lugar de confiança e segurança, para gerar confiança, eu acho que tem uma questão de confiança cada vez mais, que não é uma coisa… “ah, pergunta número 1, pergunta número 2”, sabe? Não. É criar um espaço de segurança e de confiança. Por isso que em vários momentos desse ano nas entrevistas eu falava “a gente está aqui juntos, tá? A gente está aqui juntos, a gente vai terminar essa conversa juntos”, então trazer esses elementos de confiança. Então eu só tenho a agradecer e fazer esse convite para quem trabalha com pesquisa e com design que está ouvindo a gente, reflita, porque nesse “design e opressão” aí que o Pedro trouxe tem uma coisa também de a gente achar num inconsciente dos designers, dos pesquisadores, que a gente sabe tudo, não é? E eu acho que cada vez mais a gente precisa acessar esse lugar do coração mesmo, que a Denise trouxe muito bem.
Edu: Maravilhosa!
(Todos riem e gesticulam com as mãos formando corações)
Edu: Terminamos assim então — eu não sabendo fazer coração com as mãos (Edu tenta de novo) ah, acertei (risos) — gente, muito obrigado pelo papo, vamos terminando por aqui, obrigado a vocês que estão aqui, obrigado a quem está nos assistindo, obrigado geral! Bom final de sexta-feira para vocês e até o próximo papo semana que vem, gente! Um abraço, um beijo, fomos!
Samille: Beijo!