“Fazer do meio de UX um ambiente mais igualitário é urgente”. Neste 8 de março, essa é a nossa reflexão.
A proporção de mulheres no Brasil é pouco maior que a de homens: elas são 51,8% da população do país, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019. Mas essa proporcionalidade não está refletida no mercado de trabalho. Pelo menos, não no de tecnologia.
Uma pesquisa do Banco Mundial mostrou que, em 64,9% dos casos, as mulheres representam no máximo 20% das equipes de trabalho em tecnologia. Ocupando cargos como desenvolvedora, analista, gerente, testadora e designer. Já na pesquisa Panorama UX 2020, focada exclusivamente no mercado de user experience, das 1.210 pessoas respondentes, 45% se identificaram como mulheres.
Mas, por mais que essa relação pareça mais equilibrada quando falamos do mercado do UX, o machismo estrutural ainda está presente na área e atrasa o desenvolvimento e a carreira de milhares de mulheres. Até porque, existem recortes que devem ser levados em consideração: idade, raça, se têm filhos ou não… “(…)sendo uma pessoa neurodivergente, com mais de 30 anos e agora com um filho, eu enfrento determinadas barreiras invisíveis em comparação a quem é mais jovem, neurotípico e sem filhos, por exemplo”, pontuou Talita Pagani, professora da Mergo do curso de Acessibilidade Digital e especialista em UX.
Que o mercado de UX vem crescendo cada dia mais é inegável. Que as mulheres são responsáveis por boa parte desse movimento, também — mesmo com todas as barreiras que enfrentam. E o público da Mergo não nos deixa mentir.
No Instagram, 55,6% de quem nos segue são mulheres. Nos cursos, elas também aparecem em peso, seja pelas alunas que nos procuram, ou pelas ações afirmativas que temos com algumas comunidades de UX, como Ladies that UX, PretUX, UX para Minas Pretas e Todas as Letras . E no nosso corpo docente não seria diferente. Hoje, temos 9 professoras — sem contar mentoras e facilitadoras. Nosso objetivo é que o mercado seja cada dia mais inclusivo.
Você é mulher e está pensando em migrar para o mercado de UX? É homem, mas conhece a necessidade de aumentarmos a presença feminina nos times em posições de liderança? Então, acompanhe algumas dicas que podem ajudar a construir ambientes mais inclusivos, com uma pluralidade que contribui — e muito! — para a inovação e a entrega de experiências melhores.
O machismo é sutil
A grande questão do machismo estrutural é que ele permeia todas as nossas relações, mas nem sempre fica evidente, o que dificulta combatê-lo. Quando ele é claro, principalmente hoje, que o assunto é discutido com mais frequência e abrangência, fica mais fácil identificar e fazer algo a respeito.
“Por exemplo, se alguém diz para você em uma reunião em tom de desprezo ‘só podia ser mulher’, é claro que você vai responder na hora, falar com sua gestora e reportar para o RH da empresa. Mas em quantas situações as mulheres são interrompidas, desacreditadas ou veem o crédito de um trabalho seu indo para um homem? O que quero dizer é: nem sempre ficou claro na minha carreira quando eu estava sofrendo machismo”, explicou Ana Coli, professora da nossa Formação em UX Design e Design Sr Manager no Nubank.
Talita Pagani contou que, quando atuava como web designer e front-end, a dificuldade para ter suas ideias validadas era uma questão recorrente. “Frequentemente meus colegas tentavam me explicar algo que eu sabia muito bem, me interrompiam em reuniões… Já passei por uma situação em que o CEO da empresa só levava em conta as ideias do outro designer, mesmo quando eu tinha apresentado a mesma ideia primeiro. E quando atuei com a gestão de projetos, isso piorou. Havia colegas que se recusavam (não explicitamente) a fazer tarefas que eu solicitava ou faziam de forma totalmente diferente, incompleta”, relembrou.
Falar em combater o machismo pode parecer muito simplista. E é! Existem diversas camadas que devem ser levadas em conta quando falamos do assunto. E bater de frente nem sempre é uma opção — principalmente se você mal consegue percebê-lo.
Uma estratégia que pode te ajudar a identificar esse comportamento entre pares, líderes e até mesmo liderados é conversar sempre sobre sua carreira com outras mulheres. Ter essa rede de apoio, discutir como reagir a determinadas situações, fazer aquele “check” pra ter certeza se foi isso mesmo e como lidar com situações delicadas é importante, te ajuda a estar mais confiante para se posicionar e evitar que a situação se repita ou se prolongue.
E quanto mais você apoiar o desenvolvimento de outras mulheres, mais a presença feminina vai se tornar comum dentro das empresas, mais força e voz vai se ganhando e a balança vai ficando equiparada… “Somente nos fortalecendo é que eu vejo essa mudança sendo acelerada — e precisamos muito de velocidade nesse processo”, frisou Coli.
Rafaela de Souza, nossa professora do curso de UX Research e UX Researcher no Monzo Bank, trouxe ainda a necessidade da mulher se provar constantemente em um ambiente predominantemente masculino. “Muitas vezes parte do trabalho de quem trabalha com pesquisa é convencer da necessidade da pesquisa e compartilhar achados de pesquisa de forma convincente. Como nós, mulheres, precisamos nos provar mais, temos menos chance de errar e também somos mais questionadas. Acaba-se criando uma combinação entre precisar convencer as pessoas da importância da pesquisa, da voz do usuário, mas também do próprio lugar como mulher naquele ambiente, o que pode ser bem difícil”, pontuou.
É importante olhar para trás sem perder de vista o futuro
Se hoje temos mulheres que atuam como sênior, coordenadoras, gerentes, foi preciso muito trabalho para que chegassem onde estão. Por isso, olhar para trás e ver o que o mercado evoluiu é importante. Entender que algumas questões mudaram e como se pode atuar nas que ainda persistem.
“Hoje, vejo muito mais desenvolvedoras mulheres do que antigamente, por exemplo. Mas ainda é muito desigual essa proporção. Além disso, também temos mais mulheres ocupando cargos de liderança também”, pontuou Carolina Veraldi, UX Researcher no PicPay e também professora da Formação em UX Design da Mergo.
E uma parte dessa evolução do mercado vem do trabalho constante de movimentos sociais e comunidades que buscam conscientizar mulheres da importância de assumir posições, e homens, da importância de permitir que esse equilíbrio do mercado aconteça.
“Quando pensamos na discrepância entre mulheres e homens que perderam o emprego na pandemia, por exemplo, percebemos que o caminho ainda é longo, mas as conquistas existem e precisam ser celebradas”, se animou Ana Coli.
Mas Talita Pagani reforça a importância de ir além dos profissionais (ou das profissionais) e cobrar o agente transformador dessa história: as empresas. “O que elas estão fazendo internamente para mudar esse cenário? No fim das contas, acaba sendo a comunidade fazendo pela comunidade, mas precisamos de mudanças mais assertivas ocorrendo dentro das empresas do setor”.
Ainda é preciso tornar os ambientes mais inclusivos, preparar os colaboradores, ter políticas de inclusão. Ainda é preciso equiparar os salários, tornar as lideranças também mais diversas, ter políticas voltadas para a maternidade, conscientização da força de trabalho e adequação dos ambientes para que as mulheres contratadas tenham condições de ocupar o espaço de trabalho plenamente.
Rafaela pontuou que gostaria de ter tido acesso às discussões sobre a mulher no ambiente de trabalho mais cedo e que é importante que essas discussões aconteçam frequentemente. “Até que eu ouvisse histórias de outras mulheres que passavam exatamente pelo o que eu passava, eu acabava achando que a culpa era minha de alguma forma. Que talvez eu tivesse personalidade forte, ou que a qualidade do meu trabalho realmente deixasse a desejar”, relembrou.
Gênero é apenas uma das várias camadas
A gente tende a pensar que a área de UX é mais diversa, porém, ela ainda é uma área predominantemente branca, masculina, de pessoas não-LGBT, jovem, sem deficiência, sem filhos e de classe social mais elevada. E isso não é uma percepção, mas uma constatação da já citada pesquisa do Panorama UX.
Essa falta de diversidade dificulta a entrada de grupos minorizados ou sub-representados na área, porque quem está dentro do dito “padrão” acaba (ainda que de forma não intencional) tendo atitudes que excluem ou colocam barreiras para estas pessoas. Ana Coli ainda pontua que “carregamos muitos vieses e nosso papel é procurar entender cada vez mais sobre o assunto para conseguir combater qualquer forma de discriminação conscientemente”.
“Em 2022, não cabe mais o ‘eu não sabia’. É uma obrigação de qualquer cidadão buscar esse conhecimento”, frisou a professora e Design Sr Manager. Por isso o trabalho de comunidades como UX para Minas Pretas, PretUX, educaTRANSforma, Ladies That UX, Redesign for All, Todas as Letras é tão importante para abrir portas para quem, geralmente, as encontra fechadas.
A maior parte do preconceito sofrido por minorias no ambiente de trabalho costuma não ser tão evidente. Pra quem sofre fica a sensação, a desconfiança… “Já deixei de ser contratada por ser mulher, por ser gorda e por ser latina. Essas foram situações, por exemplo, que tenho certeza de que esse foi o motivador porque foi deliberadamente dito, mas existem inúmeras situações que os indícios estão lá, mas é impossível saber com certeza”, relembrou Rafaela.
À quem vem chegando, bem-vinda!
Cada vez mais mulheres chegam à área de UX. Muitas ainda engatinham nessa caminhada, têm receio, estão descobrindo as delícias e os percalços… Mas como diz a internet “para que você pudesse correr, alguém precisou andar e fazer o caminho”. Então, nada melhor do que escutar uns bons conselhos de quem conquistou seu lugar ao sol.
“Se eu tivesse a maturidade e conhecimento de hoje, teria feito algumas coisas de forma diferente. Mas para quem chega agora, meu maior conselho é: não tenha medo! Saiba que o mundo da tecnologia ainda tem muitos homens trabalhando, mas a gente está ganhando espaço. E precisamos invadir esse espaço para mostrar que somos capazes!” — Carolina Veraldi
“Quanto mais segura você estiver de quem você é e do que você é capaz de entregar, mais fácil será você executar seu trabalho com tranquilidade. E segurança vem com autoconhecimento: saber onde você precisa melhorar, mas também reconhecer seus pontos fortes. Demorei muito tempo para falar em alto e bom som: ‘sou boa nisso!’. Vejo que, para muitas mulheres do meu convívio, reconhecer suas próprias qualidades ainda é uma caminhada. Se eu puder dar um conselho para todas é: façam terapia! Cuidar da saúde mental no contexto de pressão enorme, como é o ambiente de UX, é fundamental” — Ana Coli
“Primeiro, confie na sua capacidade, independente do que as outras pessoas falem. Sempre iremos nos deparar com, ao menos, uma pessoa que tenta nos deixar inseguras quanto a isso. Ignore essas pessoas! Busque participar de iniciativas e grupos de UX ou tecnologia com os quais você se identifica, porque isso se transforma em uma rede de apoio mútuo e de aprendizagem” — Talita Pagani
“Quando a gente está começando numa área, dá muita ansiedade para absorver logo todo o conhecimento disponível e necessário. Isso é muito importante, mas pra quem é mulher ou faz parte de qualquer outra minoria, tão importante quanto aprender sobre UX, e também aprender sobre como os preconceitos operam, se unir com outras pessoas que possam fortalecer e apoiar. Mas, principalmente, saber distinguir o comportamento e a fala das pessoas, reconhecer um feedback construtivo de um comentário que só quer diminuir e entender que o machismo pode afetar as avaliações, promoções e resultado do trabalho. Mas sem perder de vista que é possível!”- Rafaela de Souza
E sempre que você precisar, pode contar conosco para fazer da sua caminhada na área de UX uma trajetória mais leve e proveitosa. Vem com a gente?!