Como resultado de seu doutorado em Design na Universidade Tecnológica de Delf (Holanda), Beatriz Russo publicou com Paul Hekkert (professor e pesquisador do Departamento de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica de Delf) o artigo “Sobre amar um produto: os princípios fundamentais”, abordando os laços afetivos e a relação emocional que as pessoas mantém com os produtos.
Esse estudo sobre design emocional é apresentado a partir de cinco princípios ilustrados com base em casos relatados por participantes do estudo, e fazem referência ao amor experienciado através da interação com produtos num sentido mais amplo, e não apenas ao amor experienciado durante a interação física e uso.
Abaixo, reproduzo de forma sintetizada os cinco princípios que governam a experiência amorosa com produtos. Você pode ler o artigo completo no livro Design Ergonomia Emoção publicado pela editora Mauad, ou baixar o PDF no site http://studiolab.ide.tudelft.nl.
Sobre amar um produto: os princípios fundamentais
Interação Fluida
Eu amo usar o meu celular porque ele responde tão rápido. Ele flui. Eu aperto o botão e ele faz exatamante o que eu quero que ele faça. Eu me sinto no controle. Eu sei o que eu estou fazendo com ele e, ao mesmo tempo, ele responde. Eu sinto como se ele me entendesse.
Pessoas amam usar produtos que interagem fluentemente. Interação fluida é um conceito relacionado ao que Csikszentmihalyi (1990) chama de experiência fluida – uma experiência favorável, um estado mental (cognitivo) de operação em que a pessoa está completamente imersa em uma atividade que envolve processos como interpretação, recuperação de memória, e associações.
Lembrança de Memória Afetiva
Eu amo usar esta agenda. Ela foi feita pela minha namorada, que me presenteou antes de ir para a América do Sul, para estudar por seis meses. Essa agenda me lembra ela. E como foi a minha namorada que fez, essa agenda tem tudo que eu preciso e ela ainda colocou algumas fotos nossas dentro. Essa agenda também é muito funcional.
Pessoas amam usar produtos que contém memória afetiva e que atuam como um ‘lembrete’ dessas memórias. Um exemplo perfeito de produtos que lembram memórias afetivas são os souvenirs. Stewart (1993) explica que souvenirs “autenticam nossas experiências e se tornam um ‘sinal sobrevivente’ de eventos que existiram apenas através do uso da narrativa”. Este conceito está relacionado à idéia de ‘extended self’ proposta por Belk (1988), onde produtos ganham valor simbólico quando associados a memórias do passado. Objetos que contém e suprem a lembrança de memória afetiva têm o poder de ‘prender’ e ‘soltar’ as memórias que as pessoas nele investem: memórias de uma época, de uma pessoa querida, ou de um momento importante. No mais, produtos que lembram pessoas sobre o passado contribuem para definir e manter o senso de identidade delas (Mugge et al, 2005).
Significado Simbólico (social)
Eu amo o meu Ipod nano. Eu devo dizer que eu nem mesmo sei direito como ele funciona. Quando eu estou no metrô, eu me sinto tão ‘cool’ quando eu tiro ele do meu bolso, desenrolo dos fios, coloco o fone nos meus ouvidos, tiro a capinha, e ligo. Eu percebo que as pessoas à minha volta, especialmente as que estão usando um outro tipo de aparelho de Mp3, sempre olham quando eu faço esse ritual (…) e o que eu acho engraçado é que quando eu encontro alguém que também usa o mesmo fone branco, eu sinto que nos olhamos e damos um olhar de aprovação (…) como se nós pudessemos entender um ao outro.
Pessoas amam usar produtos que contém significado simbólico. Este princípio é muito parecido com o princípio apresentado previamente, já que objetos que trazem lembranças também possuem significados simbólicos. No entanto, o foco aqui está nos significados que são expostos a outras pessoas, num ambiente social. Produtos que encorajam e facilitam a contrução e familiarização da auto-identidade de uma pessoa, além da comunicação desta identidade, podem satisfazer prazeres sociais. Somos seres naturalmente sociais, ‘que experienciamos coisas juntos’ (Jääskö et al, 2004), e prazeres sociais são obtidos através da interação com os outros (Jordan, 2000).
Compartilhamento de Valores Morais
Eu amo esta escova para cabelos da Body Shop. Eu gosto de produtos da bodyshop porque eles fazem produtos ‘responsáveis’. Eu sei que, por exemplo, nenhuma floresta foi destruida na manufatura desta escova ou de qualquer outro produto que eles produzem e vendem; os produtos não foram testados em animais (…) e eu gosto de pensar que eu faço parte disso, que eu estou contribuindo para um mundo melhor.
Pessoas amam usar produtos através dos quais eles possam dividir, compartilhar valores éticos e morais. Este princípio está relacionado a uma ligação entre os princípios morais e éticos de pessoas e produtos. Frente à destruição em massa dos recursos naturais do planeta, um iminente aquecimento global, e o crescente número de doenças mortais e pobreza, estes valores ganharam uma importância enorme na vida das pessoas.
Interação Física Prazerosa
Eu amo jogar tênis com essa raquete. Eu adoro porque eu nem ao menos sinto que a raquete está nas minhas mãos. Ela é muito leve e eu posso sentir o ‘grip’. Algumas raquetes são muito pesadas e quando você bate na bola, você sente o impacto ressonando nos ossos. Esta aqui tem o tamanho exato para as minhas mãos (…) minhas mãos se ajustam perfeitamente a essa raquete. Eu também gosto do som que ela faz quando bate na bola.
Pessoas amam interagir com produtos que são fisicamente prazerosos. Hekkert (2006) se refere ao termo ‘deleite sensual’ (sensuous delight) para indicar o quanto um produto pode gratificar os nossos sentidos. O toque não apenas nos provê informações sobre o mundo à nossa volta, mas também nos torna conscientes quanto ao nosso próprio corpo, o que forma a base da experiência do próprio ser (Hekkert, 2006).