Para aprendermos com usuários por meio da UX Research, não basta escolher metodologias e aplicá-las, é preciso ter um projeto estruturado e com um objetivo claro.
Sempre que vou ensinar UX Research para os meus alunos, eu gosto de começar com um alinhamento de expectativas sobre o objetivo do que vamos fazer, e para isso costumo usar uma frase da Erika Hall que diz:
“No design, você está resolvendo as necessidades do usuário e as metas de negócios. Na pesquisa, você está resolvendo a falta de informação.”
Acho importante pontuar isso, porque diferente de quem trabalha com pesquisa nas áreas de ciências naturais ou ciências sociais, muitos profissionais começam a fazer pesquisa em design — ciência do artificial — sem o devido preparo, sem um embasamento teórico e metodológico adequado. Ao meu ver, isso acontece porque esses profissionais migraram para a área de UX em algum momento, vindos de outras áreas, e veio aquela determinação: “quem trabalha com experiência do usuário precisa fazer pesquisa com os usuários”. E assim, da maneira mais urgente possível, escolhem uma metodologia e saem aplicando, normalmente focados em entender a possível interação do usuário com o produto que se quer criar — e da qual a ideia já existe previamente — ao invés de se focar no problema que precisa resolver para esses usuários.
Nesse processo, esses profissionais caem num dos principais erros que se pode acometer em pesquisa, que é buscar respostas certas e exatas dos usuários sobre que tipo de solução deve ser criada… como se esses usuários fossem listar as funcionalidades do produto em desenvolvimento durante a pesquisa! Precisamos ter clareza de que não vamos obter respostas certas ou erradas. Na verdade não há respostas, apenas ideias, intuições e inspirações. A pesquisa não vai mostrar a solução diretamente, ela vai trazer o entendimento do problema que queremos resolver, municiando a equipe de informações suficientes para então se pensar em uma solução.
Para que uma pesquisa seja efetiva e traga as informações necessárias, é preciso que haja uma clareza de objetivo definindo aquilo que se quer aprender com os usuários, e a partir disso seguir um processo sistemático para se alcançar esse objetivo. Precisamos montar um projeto de pesquisa!
Projeto de Pesquisa em Design
Existem várias formas de se montar um projeto de pesquisa, e vamos encontrar material sobre isso dentro das ciências naturais, das ciências sociais e das pesquisas acadêmicas em geral. Meu objetivo aqui é compartilhar com você a forma que eu costumo trabalhar o projeto das minhas pesquisas em design, e isso não representa uma verdade absoluta, mas sim um entre vários processos possíveis. É apenas uma ideia de ponto de partida para quem está começando a trabalhar com UX Research, mas ainda assim é importante fazer experimentos dentro do seu próprio contexto.
Acompanhe as etapas abaixo.
- Objetivo da Pesquisa: é aquilo que queremos aprender com os usuários, e que tem a intenção de esclarecer os motivos para a realização da pesquisa. Esse objetivo vai influenciar todo o projeto, da segmentação dos participantes até a escolha das metodologias. Normalmente elaboramos objetivos de pesquisa a partir de perguntas ou questionamentos.
- Exploração do Tema: consiste em um grande levantamento de materiais e informações já publicadas sobre os assuntos principais da pesquisa, para contextualização e geração de hipóteses.
- Geração de hipóteses: a partir do objetivo da pesquisa e dos conhecimentos prévios levantados, fazemos a identificação de possíveis problemas que se transformam em hipóteses para serem verificadas e testadas durante a pesquisa.
- Identificação dos grupos de usuários: a partir das etapas anteriores, devemos decidir com quem precisaremos pesquisar, de acordo com o que queremos aprender. Podemos realizar uma modelagem de usuários, que resultará em uma definição de público-alvo com variáveis para segmentação.
- Escolha das metodologias: a partir dos objetivos e hipóteses, devemos escolher as metodologias de pesquisa que nos ajudarão a chegar naquilo que precisamos aprender. É importante considerar que cada dimensão de pesquisa — qualitativa e quantitativa, atitudinal e comportamental — vai nos ensinar coisas diferentes, e que o segredo está justamente na combinação dessas ferramentas.
- Planejamento das sessões: cada metodologia seguirá procedimentos diferentes que precisarão ser planejados com antecedência, e podem envolver o número de participantes, o local de realização, as ferramentas ou tecnologias a serem utilizadas, o tempo de execução, o roteiro, a coleta de dados e a forma de análise.
- Piloto: antes de realizar a sessão real, é de extrema prudência que façamos testes com a pesquisa planejada. O “piloto” é justamente o momento em que selecionamos usuários falsos (amigos ou colegas de trabalho, por exemplo) ou até mesmo verdadeiros (recrutados) apenas para testar o roteiro, as perguntas, os equipamentos, o tempo de duração, os termos de consentimento de gravação, as ferramentas, e até mesmo para treinar os observadores. Somente depois que tivermos tudo testado, verificado e ajustado é que partimos para as sessões verdadeiras de pesquisa.
- Recrutamento dos participantes: hora de chamar as pessoas que participarão da pesquisa, e podemos fazer isso através de empresas especializadas, engenharia social, base de clientes, instituições, locais públicos ou anúncios. Para nos certificarmos de que esses participantes estão dentro do perfil definido na identificação dos grupos de usuários, podemos utilizar um questionário de triagem (screener).
- Aplicação da Pesquisa: depois de planejar, testar e recrutar, chegou a hora da aplicação. Recepcione os participantes no local e horário previamente agendados, apresente a equipe, explique o objetivo da atividade e o que você espera da pessoa, e realize a pesquisa coletando todas as informações.
- Debriefing: é o momento da reflexão pós-ação, para revisar as anotações, assistir as gravações, extrair e ordenar as informações mais relevantes, e revisar e discutir todas essas observadores com a equipe.
- Download da Pesquisa: momento de definição, onde utilizamos todas as informações obtidas para verificar as hipóteses e então mapear o perfil do público e os problemas que temos para resolver com a nossa solução. É o momento onde criamos entregáveis como Personas, Mapas de Empatia, Jornadas de Usuários, Canvas de Proposta de Valor, entre tantos outros.
- Compartilhamento dos resultados: todo esse novo conhecimento obtido não servirá para nada se não formos capazes de levar isso até as pessoas. Precisamos utilizar apresentações, entregáveis, cartazes, gravações, relatórios, e outras diferentes linguagens para comunicar os aprendizados e engajar a equipe e a organização para gerar mudanças a partir desses resultados.
Esse processo não precisa ser visto de uma maneira estritamente linear, mas sim como camadas necessárias para a elaboração de um bom e bem estruturado projeto de pesquisa. Adaptações disso podem não somente ser necessárias, como inclusive são incentivadas.
Nos próximos posts vou detalhar cada uma das etapas, explorando suas possíveis metodologias e ferramentas. Caso você tenha outras experiências para compartilhar sobre isso, deixe aqui nos comentários e vamos seguir essa conversa 😉