Roteiro de entrevistas: o que perguntar (ou não) para as pessoas usuárias

Montar um roteiro de entrevistas requer estratégia e muito conhecimento do objetivo do projeto ou produto em si.

Duas mulheres, que estão sentadas lado a lado, em frente a uma terceira pessoa que está de costas para a câmera. uma delas tem um notebook aberto a sua frente
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Para quem trabalha com a experiência da pessoa usuária, a fase de entrevistas é sempre muito importante. Afinal, nós queremos tirar o melhor proveito da participação de quem está nos ajudando nesta etapa.

E para chegarmos ao melhor resultado, boa parte do segredo está exatamente em como montamos o roteiro de entrevistas. Você fez as perguntas certas? De forma clara? Nada ali poderia confundir ou atrapalhar o entendimento de quem estava respondendo?

Montar um roteiro de entrevistas requer estratégia e muito conhecimento do objetivo do projeto ou produto em si. Só assim você vai se certificar de que as respostas fornecidas estavam alinhadas com seu objetivo.

Neste artigo, “Aprenda a criar um guia de entrevistas em 5 passos”, falamos da importância das equipes que trabalham diretamente com pesquisa terem um guia de entrevistas. Assim, é possível garantir que o processo aconteça da maneira correta de ponta a ponta. Com apenas 5 passos, você conseguirá estruturar um guia que funcione para o seu time.

Mas e quando falamos de roteiros de entrevistas? Existem estratégias e técnicas para montar um que seja eficiente, que funcione para diversas situações ou diferentes produtos? A boa notícia é que a resposta é “sim!”. Temos algumas boas práticas que vão te ajudar a chegar a um roteiro mais assertivo, que traga as melhores respostas, insights e tire dúvidas.

Confira quais são essas boas práticas a seguir!

Roteiro de entrevistas: o que perguntar e o que não perguntar

Um bom roteiro de entrevistas segue algumas diretrizes que vão deixá-lo mais direto, claro e objetivo para a pessoa respondente — mesmo no caso de perguntas abertas. A intenção é fazer com ele seja o mais condizente com a realidade possível e que transmita realmente o que a pessoa quis dizer.

Por isso, é importante estar atento tanto ao que se pergunta quanto ao que se deixa de perguntar. Assim, você consegue garantir que as entrevistas serão realmente úteis para quem for analisá-las, sem respostas dúbias, enviesadas ou vagas. E quanto mais você puder aproveitar da entrevista, mais rica será sua análise.

As dicas a seguir vão te guiar na construção de um roteiro de entrevistas mais assertivo e que funciona para qualquer área ou segmento. Vamos lá?

O que e como perguntar

➥ Comece com perguntas rotineiras

Se apresentar, perguntar como a pessoa está, como foi o dia dela… Este tipo de interação, além de ser muito atenciosa da parte de quem entrevista, te ajuda a ganhar a simpatia e empatia da pessoa entrevistada.

E quanto mais à vontade ela se sentir com você, melhor a entrevista irá fluir, mais ela vai se dedicar nas respostas, dando riqueza de detalhes, fazer um esforço para pensar mais, puxar fatos da memória…

No seu checklist de roteiro de entrevistas, coloque este item em primeiro lugar! Ao começar interagindo e ganhando a confiança, maiores são as chances da pessoa se abrir e ser verdadeira.

Elabore perguntas que te ajudem a chegar no que você busca

Quanto mais diretas forem as suas perguntas, mais diretas serão as respostas. E dependendo da pergunta, isso é muito importante! Não basta você saber o que quer descobrir. É preciso entender como perguntar. Ou então, a sua entrevista não vai trazer resultados relevantes.

Digamos que você quer saber se as pessoas se interessam, ou não, por cursos online. Este é o objetivo da sua entrevista, ou seja, o seu tema. Para descobrir se esse interesse existe, é preciso pensar em perguntas que te levem a descobrir a resposta.

Perguntar apenas “você se interessa por cursos online?” pode trazer respostas muito simplistas, como “sim” e “não”, ou muito vagas, como “depende do tipo de curso”. O ideal é que você pense em umas 3 ou 4 perguntas que te ajudem a chegar no seu objetivo. Por exemplo:

  • Você já fez algum curso online? Se sim, qual?
  • Que tipo de curso você não faria online? Por quê?
  • Quais as vantagens de fazer um curso online?
  • Quais as desvantagens?

Viu como ficou mais fácil obter respostas diretas? Mesmo que você queira que a pessoa entrevistada fale, divague, é preciso dar um direcionamento para isso. Se a pergunta for muito evasiva, aberta, a tendência é que a resposta também seja.

Então, anote aí: para 1 tema → 3 a 4 perguntas que te guiem.

Faça a mesma pergunta de diferentes formas

Nem sempre o usuário entende a pergunta logo de cara. Pense em duas ou três formas diferentes de se chegar até a mesma resposta, e deixe essas opções na manga caso o usuário responda algo que não seja relacionado necessariamente àquilo que você perguntou.

É comum as pessoas não entenderem alguma coisa logo de cara, né? Acontece todo o tempo com todo mundo… Mas em uma entrevista, você não terá uma segunda chance para verificar se a pessoa realmente entendeu o que foi perguntado.

Para contornar esse problema, você pode (e deve, na verdade!) fazer a mesma pergunta de diferentes formas, garantindo, assim, que as respostas têm coerência. Ter outras opções pode ajudá-lo a se ambientar melhor com o tema e a responder melhor.

Use perguntas que levem a pessoa entrevistada para algum momento do seu passado

Transportar a pessoa entrevistada para um momento específico do passado faz com que ela pare e pense mais no que foi perguntado, que repasse em sua cabeça aquela situação específica. O que, convenhamos, é mais fácil do que lembrar das coisas de forma mais generalizada.

O resultado? Respostas mais sinceras, específicas, diretas…

Para isso, você pode usar recursos como “Da última vez que…”ou “Da primeira vez que…”. Eles vão levar a pessoa participante a momentos específicos e simplificar o processo de busca em sua memória por essa informação.

Quando pedimos por uma informação de forma generalizada, as pessoas, normalmente, fazem um “compilado” de todas as vezes que fizeram aquilo. E é natural que o cérebro complete os buracos que a memória dela encontrar. O resultado vai ser uma história “montada”. Quando falamos da última ou primeira vez, ou seja, se uma momento específico, a pessoa vai contar uma história na sequência de fatos que realmente aconteceu.

Homem em frente a um notebook aberto, em cuja tela aparece uma mulher e eles conversam por vídeo-chamada.
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Trabalhe com perguntas que incentivem a pessoa a falar

Já comentamos no primeiro tópico que perguntas diretas trazem respostas diretas. E isso é muito bom. Mas, às vezes, elas podem resultar em uma entrevista pouco produtiva exatamente porque é direta demais e responde exata e somente aquilo que lhe foi perguntado.

Se você perguntar “Quando você fez o seu último curso online?”, você pode ter uma pessoa que responda:

“Ah, foi no começo deste ano… Um curso de UX Research. Na Mergo… Conhece essa escola? Foi bem legal.. O curso tem aulas ao vivo… Gostei bastante!”.

Mas também pode ter uma pessoa bem literal, que responda apenas “no começo deste ano”. Para evitar essas respostas sucintas, você pode elaborar a pergunta de forma que incentive a pessoa participante a falar.

Desta forma, “Quando você fez o seu último curso online?” poderia se transformar em “Conte-me mais sobre o último curso que você fez online”. A pessoa vai ficar um pouco indecisa a respeito da informação que você realmente busca. É a data, ou o nome ou tema do curso? Talvez onde ele foi feito… E é aí que ela vai começar a falar tudo o que puder ou lembrar para tentar suprir essa falta de informação específica na pergunta.

O que não perguntar

Não faça perguntas que influenciem ou conduzam as respostas

É normal que você e sua equipe tenham algumas hipóteses antes mesmo de começarem as entrevistas. Mas lembre-se: você está nesse processo para descobrir respostas e não para validar suas suposições.

A entrevista serve exatamente para obter a percepção da pessoa usuária sobre pontos que envolvem a sua possível solução. Se você direcioná-la, ao final, pode ser que a sua percepção prevaleça e ela seja diferente da que a pessoa teve — mas não teve a chance de expor.

E isso pode resultar em produtos ou serviços que não agradam ao seu público, que não solucionem seus problemas da forma como ele esperava… Ou seja, você pode perder tempo e dinheiro conduzindo uma entrevista de acordo com as suas hipóteses.

Evite perguntas binárias

Perguntas binárias, ou seja, aquelas cujas respostas são sim ou não, tendem a acabar ali, sem dar uma resposta mais aprofundada, sem trazer mais informações relevantes para a entrevista.

Se você perguntar “Você é é uma pessoa adepta aos cursos online?”, a resposta inevitavelmente será sim ou não. Como já dissemos, nem todas as pessoas participantes são dadas a falar, e falar… E é o seu papel, como pessoa entrevistadora, guiá-la nesse processo de compartilhar informações.

O ideal é que você reformule a pergunta de forma que instigue a pessoa a ir além na resposta. Por exemplo, transformar a pergunta acima em: conte-me qual é a sua percepção a respeito dos cursos online.

Viu? Aqui, ela vai precisar formular uma resposta, pensar no que agrada, no que não agrada tanto…

Mas se você realmente quiser usar uma pergunta binária, ainda tem solução! Dá para contornar essa resposta superficial com o famoso “por quê?”.

– A: Você é uma pessoa adepta aos cursos online?

– B: Sim / Não

– A: Por quê?

Desta forma, você consegue explorar mais os motivos que a levaram a concluir que sim ou que não. Mas atenção! Ao utilizar esta estratégia, é preciso ter cuidado para que todas as perguntas não tenham um “por quê?” em seguida. Isso pode deixar o roteiro de entrevistas longo e maçante para quem está respondendo.

Não comece perguntas questionando o que a pessoa gosta ou pensa

A verdade é que nem sempre as pessoas sabem do que gostam ou o que pensam sobre um determinado assunto. Muitas vezes, elas nunca pararam para pensar nele — e isso inclui o tema que você quer se aprofundar, o seu produto ou serviço

Supor que a pessoa entrevistada tem um sentimento ou um pensamento a respeito do seu projeto pode ser um passo incerto e que pode resultar em respostas imprecisas. Principalmente se estivermos falando no famoso futuro do pretérito. Ou seja, em situações hipotéticas: o que você gostaria… O que você pensaria… Fica ainda mais difícil para as pessoas visualizarem algo que elas não têm à mão ou não aconteceu.

Lembre-se: a maior parte das pessoas estão mais cientes dos problemas do que das suas necessidades. Cabe à você ouvi-las e identificar do que elas realmente precisam e não necessariamente do que gostariam.

Evite perguntas que tratem de frequência ou avaliação em escala numérica

O motivo é simples: existe uma grande chance dessas respostas serem imprecisas. Isso porque as pessoas tendem a não lembrar com exatidão a frequência com que fazem determinadas atividades, caso elas não sejam corriqueiras. É muito mais fácil se lembrar quantas refeições se faz num dia do que quantas vezes você acessa o blog da Mergo, por exemplo.

Mas a pessoa que não se lembra vai ser sincera ou vai chutar uma resposta que seja mais compatível com o que ela acha ser verdade? Você não sabe… Mas é bom não correr o risco.

O mesmo pode acontecer com as perguntas que trazem escalas numéricas. Por falta de informação, ou de parâmetros, a pessoa pode trazer uma resposta aleatória e que, no momento da análise, pode haver confusão. Para a pessoa entrevistada, 6 pode ser uma boa nota. Não ótima, nem excelente. Apenas boa. Para a equipe que conduz a entrevista, pode ser uma nota ruim. No final, a interpretação vai ser diferente da intenção.

A gente sabe: são muitos detalhes! Mas pode acreditar que com o tempo eles vão se tornando naturais na hora de montar um roteiro de entrevistas e você já vai direcionando seu pensamento, sua estrutura de perguntas para aplicá-las de acordo com as boas práticas.

E você, já conhecia essas dicas? Quais delas já estão presentes na sua rotina e você e seu time já aplicam nas entrevistas que fazem?


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