Ricardo Couto aborda o ponto de vista da psicologia e dos vieses cognitivos dentro da construção de produtos e serviços.
Mais um conteúdo para matar a saudade dos eventos presenciais!
Este foi o 4º tema mais votado pelo público no palco “Open Space” da #DEXCONF19, e que trouxe o tema da psicologia para o evento! Abaixo você pode acompanhar o podcast + transcrição do painel “Emoção versus Racionalidade na Psicologia da Experiência do Usuário” com Ricardo Couto e mediação do Euripedes Magalhães.
https://soundcloud.com/dexconf/emocao-versus-racionalidade-na-psicologia-da-experiencia-do-usuario
[Início da transcrição]
Eurípedes: Pode fazer beatbox no… (microfone)?
Adriano Schmidt: (à distância) pode!
(Euripedes fazendo beatbox)
Eurípedes: Buongiorno, buongiorno. Ricardo-san, você quer começar falando um pouquinho do que é o contexto geral, do pensamento, da pesquisa, do trabalho, e aí depois a gente começa a fazer o pessoal vir para cá?
Ricardo: Bom, bom dia, pessoal. Obrigado pela votação, não importa o lugar. De uma forma geral, eu acho que a gente tem uma noção que foi construída ao longo da nossa história de que existe a emoção e existe a razão, e aí às vezes a gente toma decisões racionais e às vezes a gente toma decisões emocionais. Enfim, se a gente olhar um pouco mais na literatura mais atual da psicologia, a gente vai chegar em uma conclusão meio óbvia de que não existe essa separação. Existem, claro, decisões que são mais pensadas e decisões que a gente toma no impulso, ok, mas não existe a possibilidade de tomada de decisão sem emoção nem tomada de decisão sem racionalidade. Paralelo a isso existem os autores, também, que dizem que a gente é um bando de seres irracionais, porque a gente tem vieses e a gente se engana constantemente pelas mesmas coisas e a gente, enfim, toma decisões “erradas”, ou decisões que a gente não tomaria, mas decisões que a gente continua tomando. Esses são os vieses cognitivos. Então quando a gente fala desses conceitos mais amplos e que não estão 100% ligados a UX, a gente começa a fazer uma ponte: como a gente projeta coisas para as pessoas, seja… Pode ser aplicativo, pode ser site, pode ser uma interface conversacional, qualquer coisa, a gente projeta coisas para as pessoas usarem normalmente — ou serviços, inclusive -, as pessoas têm que tomar decisões durante o uso, então, se a gente tem o aplicativo do DEX, vocês tomam uma decisão de como utilizá-lo, todos nós tomamos decisões, a gente toma dez, quinze decisões quando abre qualquer aplicativo. A gente toma decisão de aonde ir, a gente abre o aplicativo do Uber e a gente toma uma decisão de como a gente vai colocar o endereço… Eu não sei se vocês já passaram por isso, mas eu por exemplo, quando uso o Waze, coloco o número antes do endereço, porque é mais fácil, porque eu não preciso digitar uma vírgula, colocar um espaço, e esse é o formato que se usa nos Estados Unidos, então o Waze automaticamente entende isso e me põe no endereço. Essa é uma decisão que eu tomo a partir de um aprendizado que eu tive — usando o Waze, óbvio. Se a gente começar a pensar nesses pequenos detalhes, todas essas pequenas decisões têm características emocionais e características racionais, porque uma tomada de decisão precisa dos dois, e aí se a gente for mais a fundo ainda… A gente sabe, acho que é consenso, todo mundo sabe que uma interface visualmente agradável — e aí eu não estou falando de ter uma boa usabilidade, eu não estou falando de ter uma experiência, como um todo, maravilhosa — mas se ela é visualmente agradável, a pessoa é mais condescendente, certo? Ela aceita um pouco mais. Não estou dizendo que isso é o que define a experiência, não, estou dizendo que esse é um fator que contribui para uma boa experiência e as pessoas são mais condescendentes. A usabilidade pode não ser tão boa, mas se o aplicativo é muito bem desenhado as pessoas (dizem) “ai, que bacana”, “ai, vou aprender a usar porque é muito bonitinho”. Isso acontece! Eu já vi isso acontecer inúmeras vezes. Isso é uma decisão racional ou emocional? Os dois! Porque existe uma razão aí, existe um fator racional aí, de “se algo é mais belo, se algo me agrada, eu vou ser mais condescendente com ela”. Isso acontece assim, indo para outros aspectos, isso acontece com gente bonita, não é o nosso caso aqui, mas com pessoas bonitas a gente tende a ser — quando eu falo a gente, são pessoas em geral — a gente tende a ser mais condescendente, a gente tende a se dar um pouco mais, a deixar um pouquinho mais, “ah, tudo bem… Ah, fez uma cagadinha, mas ah, ela é tão bonitinha… Ela é legal!”, ou então “esse cara é bonito, é bem apessoado!”
Eurípedes: O Cauã Reymond ia conseguir distribuir mais folhetos no farol.
Ricardo: Exatamente.
Eurípedes: Basicamente?
Ricardo: Basicamente.
Eurípedes: Eu também entendo. Quem não abriria o vidro para o Cauã distribuindo folheto?
Ricardo: Está vendo? (Risos) então essas mesmas características, elas não são só emocionais, não é só uma coisa de “gostei” e é a emoção que está falando, não! Tem uma questão racional ali. Se a gente fizer um aplicativo qualquer, estou usando um aplicativo — que é o que a gente mais faz hoje em dia, não é? — e eu usar uma linguagem muito próxima de como essa pessoa fala, e eu usar uma estratégia de Writing que converse de verdade com ela, ela tende a ser mais condescendente, porque ela se identifica mais com aquela interface — generalizando a coisa, chamando de interface de uma forma geral. Ela se identifica mais. Ela se identifica mais por uma questão emocional ou racional? Você se sente mais seguro com alguém que você conhece ou com um desconhecido? Você se sente mais seguro com alguém que fala a mesma língua que você ou alguém que fala uma completamente diferente? Quando a gente pensa por esse lado, parece que é uma decisão racional, não é? Eu me sinto mais à vontade falando para um público de UX do que se eu estivesse em um evento de RH, porque eu sei que as pessoas de RH entendem mais de Recursos Humanos do que eu, muito mais! Então eu não me sinto confortável para falar desse público. Isso é uma decisão racional ou emocional? E aí quando a gente vai para as interfaces a gente começa a pensar “não, isso é emocional”, mas quando a gente transfere o mesmo problema para uma outra esfera a gente começa a falar que é racional, não é? “Não, é racional, porque se eu estou com um público que fala a minha língua eu me sinto mais confortável”. A mesma coisa com pessoas e os artefatos: se a gente fala a língua deles, eles se sentem mais abraçados, eles se sentem mais parte daquilo, e não como “tem alguém tentando vender uma coisa para mim e eu estou usando essa coisa”.
Eurípedes: Boa. Temos perguntas, já? Eu tenho várias aqui… Vão anotando, por favor. A participação de vocês é muito importante, senão vira palestra.
Ricardo: É, a gente fica aqui falando bobagem, não é?
Eurípedes: Bobagem, é. Você acredita que… Opa, já veio uma pergunta?
Ricardo: Eu sabia que ele vinha.
Eurípedes: Por favor! Muito obrigado! Maravilha.
Vinicius: Meu ponto é que, para mim, a racionalidade soa mais exata, no sentido de que você consegue controlá-la melhor, e quesitos emocionais soam mais poéticos, mais abstratos e, como você mesmo disse, toda tomada de decisão é baseada nos dois, certo? Minha pergunta é: a gente, enquanto designer, consegue aplicar a racionalidade de alguma forma para induzir a emoção em determinados serviços, em determinadas experiências?
Ricardo: Eu tenho para mim bem seguro que sim. Pense por exemplo o one happy path, então o cara que foi fazer uma compra e ele não conseguiu por algum motivo, não passou o cartão por exemplo, deu um problema no cartão e não passou. A gente tem duas saídas: uma é ser extremamente frio e técnico, que é “olha, o seu cartão não passou, verifique, cheque o que aconteceu”, e isso cria zero empatia, não é? É dizer para o cara “olha, aconteceu um erro, se vira”. Outra coisa é eu dizer “poxa, que pena, não deu muito certo isso, eu acho que o seu cartão pode estar com problema. Tenta de alguma outra forma, a gente quer muito que você tenha esse produto!”. Claro, estou dando um exemplo muito simplório e de cabeça aqui, mas isso induz a uma certa condescendência, de “ei, pô, você está com problema no microfone? Mas poxa, eu vou pegar o do Pipo aqui e vou te dar”. É diferente de eu falar “seu microfone não está funcionando, o pessoal lá não está ouvindo”. São linguagens diferentes. E aí quando a gente entra nesse ponto, a gente entra também em: como as pessoas se enganam? O que é que a gente fala para as pessoas que as fazem se enganar? Eu vou dar um exemplo que eu vi ontem, enfim, tem vários casos desses, mas eu vi ontem um, que era um site onde aparecia um pop up, e vinha lá “você ganhou 20% de desconto na sua próxima compra se você cadastrar o seu e-mail”, aí tinha o campo de e-mail para cadastrar, e tinha embaixo “não, eu não gosto de descontos”. Isso provoca uma reação que ao mesmo tempo ela é emocional e racional. Não estou dizendo que é boa. Eu não estou dizendo que é uma coisa boa, eu não usaria esse tipo de estratégia porque eu acho que é meio agressiva, mas ela funciona, o fato é que ela funciona. As pessoas… Você tem uma conversão absurda com esse tipo de coisa porque as pessoas se sentem coagidas de “ei, não! Eu gosto de descontos!”.
Eurípedes: Talvez ele só não quer agora…
Ricardo: É, provavelmente o cara não quer agora! Mas isso cutuca o sujeito. E aí a gente tem o lado emocional e ao mesmo tempo o lado racional, que é “poxa, é um desconto!”, não é? Em questões racionais, qualquer desconto é sempre bom, e por uma questão emocional eu estou cutucando o cara, “ei! Você não gosta disso, você não gosta de desconto, não é? Você gosta de pagar tudo cheio, você é o cara, o fodão? Você é o cheio da grana?”, então esse é o tipo de… É um exemplo, claro, muito simples, em que a gente ao mesmo tempo cutuca o sujeito, tira ele daquela zona de conforto… A gente não está dando para ele alguma coisa que seja mais interessante ou mais sincera para ele, mas de alguma forma a gente induziu ele a tomar uma decisão que é o que a gente queria. Eu não faria esse tipo de estratégia, eu iria por outros caminhos, mas eu acho que esse é um dos (exemplos) mais claros que tem.
Eurípedes: Vinicius, obrigado! Palmas para o Vinicius. Seu nome, por favor?
Eric: Eric. Então, pelo o que eu estou entendendo que você está comentando, a gente pode também dizer da seguinte forma: a racionalidade faz a gente ter uma escolha para uma coisa, mas o que de repente mantém a gente nessa escolha seria a emoção? Exemplo do Nubank, você acha interessante, você acaba fazendo ele, mas o que as pessoas gostam muito nele é essa questão de que ele olha para o usuário, ele é mais atencioso, ele tem esse lado afetivo, então a racionalidade às vezes faz a gente optar por uma coisa mas o que faz a gente ser fiel, fidedigno a ela, seria a questão da emoção? Aí de repente um outro exemplo, a Apple, você tem um celular, os dois fazem a mesma coisa, só que a Apple tem essa coisa do desejo, da emoção de a pessoa ter aquilo e ele ser amigável a ela, então faz ela ser fiel àquela marca. A gente pode, de repente, comentar assim?
Ricardo: Eu acho que… Sim e não. O exemplo do Nubank eu acho muito bom pelo seguinte: se a gente analisar com calma, o Nubank nada mais é do que um cartão de crédito, ele não tem absolutamente nada que nenhum outro cartão de crédito não tenha. Tem algumas facilidades? Sim. Tem a linguagem que é diferente, tem a forma de comunicação, que é diferente, mas em termos de produto, no final das contas, fora o entorno do produto mais o núcleo do produto, é como qualquer outro cartão de crédito. O programa Nubank Rewards, por exemplo, para você ganhar… Descontar coisas do seu cartão Nubank… Se você analisar a fundo, só se você gastar mais de R$1.900 reais ele começa a valer alguma coisa, se você gastar menos que isso você está jogando dinheiro fora, mas a maioria das pessoas não gasta mais de R$1.900 reais e tem o Rewards, e aí o Nubank criou uma relação emocional com as pessoas tão forte que ele supera a racionalidade, porque se você for parar para pensar com muita calma, outros podem ser mais benéficos para você, dependendo da sua faixa de renda, são mais benéficos que o Nubank, mas nada supera o cartão ser bonitinho, você ter uma linguagem que fala a tua língua, você ter um atendimento que te atende do jeito que você gostaria de ser atendido e não aquele atendimento de banco de “disque 1 para tal coisa, disque 2 para tal coisa…”. Então esse conjunto de coisas que compõem a experiência como um todo, e o atendimento e etc, ele cria uma relação emocional, com a marca primeiro, e depois com o produto, então existem marcas que a gente tem relações emocionais com elas e que a gente ama ou odeia. Então, tem gente que ama a Natura e usa a Natura para tudo, pode ter um produto que é da Mary Kay, sei lá, e custa R$10, o mesmo produto da Natura custa R$30, mas a pessoa ama Natura e vai comprar o da Natura — aí já é uma relação mais com a marca, uma relação emocional que a gente cria… Eu costumo dizer que é a relação mais difícil que você consegue construir, essa relação emocional de amor e dedicação e fidelidade com a marca, mas quando construída, para quebrar… É um pouco frágil porque para quebrar é fácil, mas se você conseguir mantê-la é algo absurdo. Uma coisa paralela a isso, antes de passar o microfone para você, uma coisa paralela a isso que você está dizendo, a gente tem a teoria do Daniel Kahneman que é “o sistema 1 e o sistema 2”, então o “sistema 1” é mais impulsivo, é aquela forma de agir, aquela forma de pensar mais impulsiva, imediata, do agora, então se vier alguém correndo com uma faca aqui eu não vou pensar qual é a velocidade desse cara, se ele tem mais chances de pegar o Eurípedes, ou me pegar, ou pegar você, eu vou simplesmente tentar me defender!
Eurípedes: É o cérebro reptiliano trabalhando no lugar, não é?!
Ricardo: Basicamente! E o “sistema 2” é o pensamento mais reflexivo, é parar, vou pensar, vou analisar… Quando a gente está usando alguma coisa, um aplicativo principalmente, a gente quase sempre usa o sistema 1, quase sempre a gente está no modo ágil, “vamos fazer logo, vamos testar logo, vamos ver como é que funciona…”, as pessoas não param para analisar. Geralmente quem pára para analisar somos nós de UX, a gente pega qualquer coisa e fica analisando. As pessoas simplesmente saem usando, e erram, e cometem erros, e não lêem tudo que está ali, enfim…
Eurípedes: Maravilha. Muito obrigado pela sua participação. Dele! (Risos) Palmas para ele, por favor! Eba!
Gabriela: Meu nome é Gabriela, meu pensamento é se às vezes a gente, como designer, não exagera muito nessas mensagens de tentar ser amigável o tempo todo! Então assim, a gente vê muito nessas páginas de “Erro 404” que tem ali um astronauta bonitinho… O que eu penso é se, às vezes, a gente não deveria tentar pensar em manipular essas mensagens de acordo com o que a pessoa está tentando acessar, então às vezes a gente está tentando ser muito amigável mas… Não sei um exemplo prático, mas se a pessoa está tentando logar para acessar um laudo médico, e aí dá algum erro e a gente fala tipo “ops, brincadeirinha! Tenta de novo! A gente não achou”, não sei… É um assunto que não é muito ali… Leve! Às vezes a pessoa está esperando um resultado até que é sério, e a gente faz uma página que é muito bonitinha, muito fofinha só para a pessoa se sentir menos ameaçada, mas eu não sei se isso é apropriado para algumas ocasiões… Ou, não sei, um site governamental, esse tipo de coisa, sabe?
Eurípedes: Legal, bacana.
Ricardo: Aí eu acho que cabe um paralelo que é “isso é adequado para o nosso público e para o nosso contexto?”. Acho que aí entra um aspecto de “o quanto o nosso público entende isso?”, vou dar dois exemplos, no Itaú você tem o aplicativo do Itaú Personnalité, você tem o Itaú conta normal, e agora você tem o iti. O iti, óbviamente o nome é a brincadeira do “iti malia”, não é? Isso conversa com o público. Existem várias linhas de comunicação diferentes para cada tipo de público. Outro exemplo que eu gosto sempre de usar é do Enjoei. O Enjoei, se você pegar uma pessoa de 47 anos para usar, ela não vai entender bulhufas, porque a comunicação é completamente outra, a comunicação é claramente para pessoas jovens e mulheres, a comunicação sempre tem um viés assim. Porque é o público do Enjoei! Então eles falam, acho que esse é um trabalho que eles fazem bem, que é falar a língua do público. Qual é o contraponto? Se limita a esse público. Quando você traz esse aspecto emocional mais… Quanto mais forte você traz, mais limitado você fica, só que mais próximo você fica também, então é como se eu falasse “eu vou falar exatamente como você fala e eu vou querer me aproximar de você”, mas eu sei que se eu falar exatamente como você fala, se eu chegar em um público, sei lá, uma classe médica, um público de médicos, eu não vou conseguir me aproximar desse público. A mesma coisa acontece com os artefatos, se ele conversa muito bem com você, ou de forma muito, muito próxima com você, provavelmente ele não vai conversar bem com outros públicos, isso é inevitável. O nosso ponto, acho, como UX Designers, é pensar “até que ponto eu posso ir? Até que ponto eu conheço o meu público?”, esse é o primeiro (passo), e aí Research tem um papel absurdamente importante aí, que é “como é o meu público de verdade? Como fala esse público? Qual é a linguagem que ele usa? Ele usa coisa fofinha? Ele entende essa coisa fofinha como fofinha ou ele entende como uma falta de respeito?”. Existem públicos que entendem isso como uma falta de respeito, entendem como falta de seriedade, como ausência de confiança, ele perde um pouco a confiança nesse aspecto, então aí entra a nossa responsabilidade de, primeiro, entender muito o nosso público, para depois começar a projetar coisinhas fofinhas para eles — se for o caso!
Eurípedes: Maravilha, obrigado! Palmas para ela! Eba!
Pessoa 2: Olá, bom dia! Então, aqui no Brasil a gente tem um grande número de endividados, pessoas endividadas. O que que vocês acham? Se é possível ter uma mudança de mindset e ser criada uma interface, por exemplo, um aplicativo de controle financeiro… Dá para mudar esse mindset e aplicar isso?
Ricardo: Olha, a questão das pessoas endividadas eu acho que é bem interessante, porque… Todo esse conceito do que resulta essa coisa de emoção versus racionalidade, a gente entra na economia comportamental, que tem MUITO a ver com UX. O resultado da economia comportamental, dos estudos, tem muito a ver com UX. E sim, a gente tem muito endividado no Brasil, e a principal razão disso é porque as pessoas não sabem lidar com dinheiro, ponto. Brasileiro não é educado para lidar com dinheiro. Ele não sabe guardar dinheiro. Tem produtos que são muito… São típicos de Brasil, como consórcio. Consórcio é um produto típico de brasileiro, por quê? Porque brasileiro não sabe guardar dinheiro, e aí ele vai pagar alguma coisa, pagando uma taxa, para poder guardar dinheiro! É meio nonsense isso, não é? “Vou pagar uma taxa para alguém guardar dinheiro para mim, eu vou pagar por isso enquanto eu poderia investir esse dinheiro e ter rentabilidade sobre ele”. Enfim. E aí, eu acredito que sim, acredito que existam já iniciativas para tratar um pouco não a gestão financeira, mas especificamente os endividados… O SERASA tem uma iniciativa, tem uma plataforma chamada Quero Quitar, que é basicamente isso… Eu acho que a grande questão aí é: como fazer com que essas pessoas entendam, através de um aspecto que não seja puramente racional, que elas precisam lidar melhor com dinheiro? Porque racionalmente é fácil falar “ei, junta um dinheiro aí! Separa 10% do seu salário todo mês e investe esse dinheiro, investe de uma maneira diversificada, que seja 200 reais que você vai tirar por mês, mas você investe ali um pouquinho em ações, um pouquinho de dívida pública, um pouquinho em fundo de investimento, e deixa guardado por dez anos e não vai gastar esse dinheiro”. Isso é o racional. No emocional, é o quê? “Pô, meu, vamos tomar uma cerveja”, “sobrou uma graninha? Compra aquela câmera que você queria”.
Eurípedes: “Agora!”
Ricardo: “Agora! Vamos fazer isso agora!”. Então para mim, a grande questão é: como é que a gente promove esse aprendizado financeiro para essas pessoas endividadas através de algo um pouco mais emocional? E aí é o ponto de a gente começar a trazer não só a racionalidade como núcleo da coisa, mas entender que as pessoas são suscetíveis a um monte de falhas — falhas cognitivas, que a gente chama de vieses cognitivos — e que elas vão simplesmente passar por cima da racionalidade e vão pela emoção, que aí é a compra por impulso… Aí você está juntando um dinheiro para comprar um carro, e aí você juntou ali 4, 5 mil, e aí você fala “puta merda, saiu um Mac novo, eu quero”, aí você torra aqueles 5 mil, vende o seu Mac, junta mais 5 e compra aquele Mac novo que você não precisava porque você estava trabalhando muito bem com o seu Mac antigo… Mas a gente faz essas coisas. Então aí entra… Acho que toda a educação financeira que a gente tem é extremamente racional, ela foca no racional, que é número, é valor, é dinheiro, então vamos falar racionalmente, só que as pessoas não só não agem racionalmente o tempo todo — na verdade tempo nenhum — como elas também só aprendem quando a gente tem esses dois aspectos juntos, quando o processo pedagógico, o processo educacional tem a racionalidade, que é a coisa mais fria, a coisa mais dura, mas também tem um aspecto emocional de ele se perceber ali, de ele se entender que “olha, aqui é uma situação que você pode passar, ou vai passar, ou está passando, então se identifique com isso”. A gente peca muito nessa parte de educação financeira de uma forma geral no Brasil.
Eurípedes: Maravilha. Muito obrigado, todo mundo! Mais alguém? Mais alguém? Eba! Senta aqui pertinho dele, aqui… Ele passou perfume hoje de manhã.
Ricardo: (Ao fundo) Eu tomei banho ontem…
Thuany: Muito bom. Meu nome é Thuany, e eu queria fazer uma pergunta bem básica. Se eu fosse começar hoje a criar meus produtos pensando na emoção e no racional, qual que é a trilha que eu preciso fazer? Eu preciso começar a fazer curso de psicologia, neurociência…? Como que eu consigo me especializar para trabalhar nessa área? Igual você? (Risos)
Ricardo: Olha, não, eu acho que curso de psicologia não, porque — não que eu não goste deles, são maravilhosos — mas eu acho que eles não têm essa ponte entre esses tópicos e UX. E, bom, pode ser que eu esteja enganado, mas eu ainda não conheço nenhum curso específico falando sobre economia comportamental, exclusivamente. Pode ser que tenha e eu que estou comendo bola. Mas o que eu recomendaria são algumas leituras, então eu recomendaria começar com Daniel Kahneman para ler sobre o conceito básico de economia comportamental, depois coisas mais como Dan Ariely, Gerd Gigerenzer… Coisas que são mais lights mas que têm um background científico mais denso. E aí, conforme você vai lendo essas coisas você vai naturalmente querendo coisas mais pesadas, é tipo você começar com uma droga leve, depois você vai… Não é? Vai começando a ficar mais light, você quer começar coisas mais pesadas. Quando você chegar em António Damásio, e são essas as principais leituras que eu dou, de cara, o mundo vai se abrir e você vai mudar de opinião sobre muita coisa. Então pensa que o Damásio tem um estudo sobre a consciência, mas para ele é muito claro que não existe racionalidade sem emoção, sem o sentimento não existe nenhum tipo de racionalidade, sem o corpo não existe cognição, porque a gente cria… Toda uma história que a gente cria desde criança, a gente vê desde desenho que o que manda na gente é o cérebro, não é? Então tudo está aqui, nessa caixinha aqui, e todas as nossas decisões estão aqui. Aí vem um louco como o Damásio e fala para você “ei! Se você não tiver corpo para poder traduzir toda a relação de sentimentos e racionalidade em características corpóreas você não tem cognição”, e aí ele dá o exemplo da pessoa em coma: a pessoa em coma não é a pessoa que não tem o cérebro funcionando, ela é a pessoa que não tem estímulo corpóreo para o cérebro, ou seja, sem corpo você não pensa. Então não é “sem cérebro você não pensa”, é sem corpo! E aí a coisa começa a mudar! Claro que eu estou simplificando absurdamente, a teoria dele é bem mais densa que isso, mas você começa a ver as coisas de uma outra maneira, você começa a perceber coisas bem bobas, do tipo, se o sujeito pega o celular com uma mão só e usa, o uso dele é completamente diferente de quando ele pega com as duas mãos, e isso interfere em como ele usa, isso interfere nas decisões que ele toma. Então, só recapitulando, começaria com Kahneman, que é o clássico, depois iria para coisas como Dan Ariely, Gerd Gigerenzer, enfim, autores parecidos e que um cita o outro sempre, e aí por fim iria lá para Damásio. Aí eu acho que dá um bom norte. E aí procurar algum curso mais específico, ou leituras. Eu acho que hoje… Eu tenho um workshop que eu dava, mas é muito curtinho, é muito simplificado, mas um curso mesmo… Pelo menos eu posso estar perdendo, mas eu acho que não tem. Mas procure! Vai que tem e eu estou comendo bola.
Eurípedes: Maravilha, palmas para a Thuany!
Vanessa: Oi, tudo bem? Eu anotei, então vou ler. Eu trabalho em uma empresa de fidelidade de compras, de pontos e etc, e a gente não consegue pegar sempre o usuário pelo emocional porque tem várias partes burocráticas, tem o banco, tem o cadastro, tem vários formulários para ele preencher, e aí eu queria saber, como que eu consigo continuar seguindo o emocional dele mesmo nesses momentos burocráticos de compra e etc? É muito difícil, sério, eles saem… Tem vários steps de saída, infelizmente, e eles vão embora e eles não voltam, eu não consigo segurar o emocional deles dentro da empresa.
Ricardo: Olha, eu não vou te responder, porque se eu te respondesse seria a pergunta de um milhão de dólares. Não é? (Risos) Porque eu acho que essa é a pergunta que todo mundo quer a resposta. “Como é que eu faço para as pessoas se engajarem e não saírem do meu produto?”. Ah, mais uma… — esqueci o nome dela!
Eurípedes: Thuany.
Ricardo: Mais uma recomendação de leitura, Hooked, do Nir Eyal. Ele é mais específico de produto e ele faz essa ponte de psicologia e produto, não exatamente UX, mas produto como um todo. Voltando aqui, eu acho que aí cabem dois aspectos: 1, se existem passos extremamente burocráticos e que não podem ser substituídos ou modificados ou enfim, se eles tem que ser porque tem que ser, e a gente sabe que isso acontece o tempo todo, eu acho que aí cabe… Eu, particularmente usaria — chutando, eu não sei como é a estrutura que você trabalha — mas eu tentaria duas estratégias: uma seria tentar fazer teste A/B com alguma versão com menos burocracia e provar isso através de uma linguagem que os stakeholders entendam. Eu acho que isso é um ponto crucial do nosso trabalho. A gente fica nesse… Desculpa a expressão, mas a gente fica nesse “oba-oba” de “não, porque o usuário…”, “não, porque eu sei qual é o melhor…”, “não, porque eu trabalho com isso e eu sei…”, etc etc, aí você bota isso para um stakeholder e ele fala “ok, isso converte mais?”, “ok, isso dá resultado?”, porque se a gente não fala, e aí volta aqui de novo, emoção e racionalidade! Quando a gente está em um ambiente de negócios, a emoção desempenha um papel muito pouco valorizado, então você falar o quanto o usuário ama o seu produto ou serviço tem um valor desse tamanho (referindo-se a um pequeno valor). Quanto você fala “olha, isso aqui está convertendo 30% mais” isso tem esse tamanho (referindo-se a um grande valor). Então, a gente tem que aprender também a conversar com o resto do nosso entorno e não ficar fechado na nossa casinha, e aí inclui: quais são as estratégias que a gente pode usar para provar para um nível acima do nosso, ou dois acima do nosso, ou três que seja, que aquilo vale a pena? Que eu não estou só falando que eu sou legal, que eu quero ser legal com o usuário, mas sendo legal com o usuário ele engaja mais e isso converte mais, ponto. A questão é, como a gente prova isso? Eu tenho o quê, 20 anos trabalhando com isso? Eu sei muito bem quanto, em inúmeros cases, que a gente tratar o usuário bem, falar a língua dele e usar uma comunicação… Quando eu falo comunicação, não é só texto, inclui inclusive a interface visual, os aspectos visuais! Mas eu falar a língua dele faz com que ele se engaje mais, ele acaba se identificando mais. Agora, como provar isso? Acho que em um ambiente corporativo engessado, que é o que me parece que você está falando, a gente tem que ir neste ponto, e não simplesmente usar estratégias só de UX para melhorar isso, porque provavelmente você sabe como melhorar isso, mas você tem barreiras que não te permitem mudar isso. Qual é o hack que você pode fazer? Será que você consegue ir por uma tangente e mostrar com a língua deles “olha, isso funciona”? Eu, particularmente, iria por aí. Acho que não tem muito mais o que fazer.
Eurípedes: Maravilha, palmas para a Vanessa! Estamos chegando nos nossos minutos finais, dá tempo de mais uma pergunta.
Finaga: E aí, gente, tudo bem? Bom dia. Vou sentar longe, que eu também passei perfume, para não misturar.
Eurípedes: (Risos).
Finaga: Cara… Primeiro, parabéns pela trajetória, 20 anos de carreira, por estar aqui e tudo… Meu nome é Finaga, eu já passei um tempo na vida fazendo UX também… O que eu estava tentando raciocinar era o seguinte: legal, emoção versus racionalidade, acho que o contexto é muito bacana quando a gente está falando de B2C, e é muito direto, tanto que o exemplo que você deu do Enjoei conectado com mulheres mais jovens, e toda a comunicação e linguagem e o jeito que o aplicativo funciona… A minha pergunta é: como você percebe isso para B2B? Como que a gente traz a parte da emoção em uma conversa B2B, onde… Minha impressão, quando você tem um site ou uma empresa, que seja, que ela oferece serviços B2B, eu não estou conversando necessariamente empresa com empresa, eu estou conversando ser humano com ser humano, mas o ser humano dentro da empresa que eu estou focando meu negócio são vários! Eu posso estar falando com todo um C-level em que eu tenho um CEO “despirocado”, eu tenho um CFO mega pé no chão, um CTO racional para caramba… Então minha pergunta é: como que a gente aborda — e eu sei que é uma resposta de um milhão de dólares, então pode dar uma resposta espertinha (risos) — mas como é que a gente aborda um B2B? O que que você sugere?
Ricardo: Eu acho que aí volta um pouco na outra pergunta, que é “conhecer bem quem é o público”. Onde eu trabalho hoje a gente tem um caso, a gente tem um produto B2C e tem um produto B2B. O produto B2B a gente testou por algumas semanas — acho que alguns meses… Chegou a mais de dois meses… — variados tipos de comunicação. Então a gente testou a comunicação mais fria, mais concisa de “você tem um cashback de tanto, comprando com a gente você ganha isso e revendendo você ganha isso”, a gente tentou uma comunicação extremamente ágil, prática, divertida, e a gente testou um meio termo, e a gente acompanhou isso ao longo do tempo, então teve um momento em que a gente tinha determinado fluxo que tinham três versões, e a gente foi acompanhando, e ao mesmo tempo que via a análise quantitativa, a gente fazia entrevista com o usuário para entender como é que foi a experiência dele. O que a gente percebeu é que talvez a grande diferença dos dois públicos não é nem a questão de ser B2C ou ser B2B, mas qual é a informação essencial que ele precisa? O que que ele precisa para tomar a decisão dele? A comunicação em si influenciou muito pouco, se a gente brincava ou se a gente não brincava teve quase 0 impacto. O que mais importava era: para o B2C a gente podia falar “pô, que legal que você está aqui! Agora comprando com a gente você tem 5% de cashback”, isso funcionava maravilhosamente bem. Para o B2B a gente não podia falar assim, a gente tinha que falar “5% de cashback nas compras disso, daquilo e daquilo”, por quê? Quando ele lia “5% de cashback”, “ok, acabou, é o que eu preciso saber”. Quem acabava lendo tudo se afeiçoava um pouco mais, então a gente percebeu que a mudança não era ser mais legalzinho, mais cool ou mais seco, a grande mudança era você ter uma comunicação mais direta, então eu sou mais direto, eu digo o que eu ofereço de cara e depois eu sou legal. É dizer para você “eu faço tal coisa, mas eu sou legal, também”. (Alguém diz alguma coisa longe do microfone para Ricardo) O que ele falou é “então quero dizer que transparência traz confiança”, basicamente sim, porque para este público, quando é um B2B, claro que é um outro ser humano que está ali, mas ele tem uma visão mais racional do produto ou do negócio, ele não está experimentando, ele geralmente está analisando as características — principalmente no exemplo que eu estou dando — financeiras da coisa, “o quanto eu recebo de volta?”, então ele quer saber isso de cara. Depois, se eu quiser usar um emoji, se eu quiser brincar com ele, se eu quiser ser engraçadinho, legal, ele gosta, mas primeiro ele quer saber a chave. “É isso? Então é isso que você está me oferecendo?”. Então quando eu estou dando a possibilidade de ele botar dinheiro no aplicativo para usar carteira digital, uma coisa é eu dizer para ele “olha, fazendo depósito vai estar na sua conta em até 24 horas”, outra coisa é eu dizer “ei, seu dinheiro vai estar na conta em até 24 horas…”, não! Fala “24 horas”, depois seja legal! Cara, é que eu estou simplificando, óbvio que tem os ajustes, mas eu tenho primeiro que dizer claramente o que eu ofereço, e depois eu tento ser legal.
Eurípedes: Maravilha! Eu vou ter que cancelar sua questão, porque já acabou o tempo! Ricardo, muito obrigado! Pessoal, espero que vocês tenham gostado! Palmas para o Ricardo!